quinta-feira, setembro 14, 2006

Golo!

"Assim vale a pena"
Eduardo Prado Coelho
Público - 14/09/2006
Nos últimos anos, eu praticamente deixei de ir aos estádios de futebol. Aquela prática que tinha começado, já há muitos anos, quando o meu pai me levava a alguns desafios. Sempre ao Estádio Nacional, porque ele não ia a outros. Mas ver um jogo em que estamos empenhados em casa, sozinho, é algo tão triste como comer só uma lagosta no restaurante. Há coisas que têm de ser feitas em conjunto para que a alegria e a tristeza sejam partilhadas. Outras não exigem isso. Não é preciso mais pessoas para ouvir Chostakovitch em disco, afundados num sofá. Nem convém estarmos juntos se vamos comer esse grau zero da culinária que é um "peixinho cozido".
A ideia de sair de casa, ficar no carro em longas filas de espera, andar à procura de lugar para estacionar, depois seguir multidões ansiosas por chegar, ou que regressam com comentários desportivos ao alcance de qualquer bolso, exaspera-me. A minha experiência mais recente não foi muito compensadora. Tratava-se do Sporting e do Porto, em Alvalade. Rapidamente senti, com as garras afiadas da mais fácil intuição, que o Sporting não estava nos seus dias e que ia ser um longo calvário. Vim cá fora tomar cafés, fui à casa de banho, na esperança de que, durante a minha ausência, marcassem o golo redentor. Voltava e nada.
Anteontem, quase convencido de que a derrota era inevitável, tentei de novo e fui ao Sporting-Inter. E percebi claramente as vantagens de estar acompanhado e fazer a festa mesmo com desconhecidos a quem me ligava um sportinguismo indefectível. E que grande jogo! Já há muito que me não entusiasmava tanto num desafio de futebol.
Porque não era só vencermos, porque não era só vencermos um dos grandes clubes da Europa, era mostrar que tínhamos uma equipa, uma verdadeira equipa, como há muito o Sporting não tinha.
Temos um treinador excepcional: Paulo Bento. É um homem calmo, sereno mas firme, capaz de estabelecer a ordem baseada não no medo mas na cumplicidade entre os jogadores, com notável visão de jogo e que transmite segurança a todos os que o ouvem falar. Curiosamente, para a UEFA, não pode ser reconhecido como treinador porque não tem o quarto nível de treinador. Oficialmente, o treinador do Sporting foi Carlos Pereira.
Temos também uma equipa jovem, que é preciso conservar e continuar a trabalhar como se fossem as jóias da coroa. Nani é um portento, Miguel Veloso foi uma verdadeira revelação, João Moutinho já é uma referência clássica apesar da sua idade. E Yannick Djaló, que foi mais convincente do que aqueles que poderiam substituí-lo e que ainda não me convenceram - nem Alecsandro, nem Bueno. E depois temos Polga, absolutamente admirável, Marcos Caneira (aquele golo foi deslumbrante), o terrível Liedson, um Tonel magnífico e um Ricardo que, quando começa a acertar, é seguríssimo (muito sensível às questões psicológicas). Sem falar naqueles que estão lesionados, e que são também excelentes, como Custódio ou Paredes, o intelectual da equipa. Esperemos que toda esta força se mantenha.

quinta-feira, agosto 24, 2006

A pistola

"Um Verão português "
Miguel Sousa Tavares
Expresso - 19/08/2004
"1 O ÚNICO Parque Nacional que temos - Peneda-Gerês - ardeu este Verão. Quatro mil hectares de pasto e mata de árvores que já não se plantam desapareceram no que era suposto ser o espaço natural e público mais bem vigiado, preservado e mantido. Afinal, soube-se depois, os caminhos não estavam abertos, a mata não estava limpa, a vigilância não estava atenta. Após reforçar com milhões de euros, helicópteros, aviões e meios sofisticados o combate aos incêndios, depois de passar o ano a intimar os proprietários privados a limparem as suas florestas, o Estado deixou arder o que era seu, por incúria e incompetência.

2 O Algarve, inevitavelmente. Este ano não foram descobertas novas praias, não se fizeram novas estradas, não mudou o saneamento básico nem a capacidade de abastecimento de água. Mas, como todos os anos, aumentou significativamente o número de aldeamentos, urbanizações, construções. Esgotada a vista de mar, de serra, do que quer que seja, a grande novidade agora são os prédios com vista para as rotundas - que, essas sim, proliferam todos os anos. E, depois de Albufeira ter inventado a primeira terrina do mundo (uma inacreditável «marina» feita um quilómetro dentro de terra, por já não haver costa disponível), Vale do Lobo projecta expandir-se para o largo, através de uma ilha artificial, que prolongará o Algarve Atlântico fora. Este Verão tive de me deslocar a Vale do Lobo e a Armação de Pêra e aconteceu-me, de ambas as vezes, uma coisa incrível: dei por mim completamente perdido no meio de tanta construção nova, sem sequer conseguir perceber para que lado estava o mar. Eu, que me gabo de nunca perder o sentido de orientação e que conheço estas terras desde miúdo, aprendi que no Algarve já só de GPS é que se chega onde se quer.

3 Lagos tinha uma estação de comboios dos anos 40 ou 50, estilo Raul Lino, uma construção branca de paredes grossas caiadas, rodeada de palmeiras e araucárias. Com o tempo, a estação foi ganhando «patine» e «charme» e, embora o comboio demorasse hora e meia a percorrer os 40 quilómetros dali até Tunes, onde havia o transbordo de e para Lisboa, era um prazer esperar ou chegar àquela estação, sempre fresca em pleno Verão, cheirando a fruta e rebuçados embrulhados em papel vegetal. Depois, fizeram a marina de Lagos à frente da estação e a cidade deixou de a ver, ali, de sentinela de boas-vindas, do outro lado do rio. Mas, enfim, pelo menos continuava lá e servia, com conforto e encanto, o seu escassíssimo tráfego ferroviário. Mas eis que a Câmara ou a CP se lembraram de ter um ataque de «modernidade». A velha e digna estação de Lagos foi desactivada (provavelmente para ser demolida e dar lugar a mais um horrendo mamarracho), e ao seu lado construíram uma aberração arquitectónica, cuja cobertura tem a particularidade de deixar permanentemente os passageiros expostos ao sol, à chuva ou ao vento e sem lugares para se sentarem. Para embelezar a coisa, resolveram fazer também na estrada que passa ao lado uma rotunda sem saída para lado algum e apenas destinada a fazer os carros andarem à roda para voltarem ao mesmo ponto. E, para «épater le touriste», fez-se um pífio jardim na rotunda, plantado em pleno mês de Julho e regado intensamente. Entretanto, milhares ou milhões de euros depois, o comboio continua a demorar a mesma hora e meia para Tunes que demorava na minha infância. Só que agora espera-se por ele à torreira do sol, numa espécie de monumento ao desperdício e ao mau gosto. É por estas e por outras que eu, quando oiço os autarcas pedirem mais dinheiro, apetece-me puxar da pistola.

4 Se alguém tem uma colecção de pintura com milhares de quadros, tem obviamente um problema entre mãos: onde os guardar, como os expor. Nos países mais «normais», o problema resolve-se habitualmente com a doação da colecção ao Estado ou com a criação de um museu privado. Mas em Portugal as coisas não se passam assim: o problema da colecção do comendador Berardo transformou-se num problema do Estado, aterrorizado com a ameaça de que o senhor levaria a colecção lá para fora, se não lhe garantissem uma solução. E assim se fez: reservaram-lhe toda a área disponível para exposições do CCB, com todos os encargos a serem pagos por nós e até 2017, altura em que Berardo poderá escolher entre vender tudo ao Estado, voltar a ameaçar que se vai embora ou ir mesmo embora, como fez em Sintra, levando a sua colecção para onde lhe garantam igual contrato leonino - o que não será fácil. Agora, ficou a saber-se também que o comendador goza do direito vitalício de vetar o director escolhido pelo Estado para gerir a área do CCB exclusivamente reservada para a colecção. Em troca permite-nos apenas que desfrutemos do privilégio de poder ver os seus quadros até 2017 - coisa que eu, aliás, nem sequer recomendo por aí além. Mas isto é apenas uma opinião minha. Eles é que sabem.

5 Não contente com a extrema indulgência do tribunal que condenou a penas simbólicas os meninos que mataram a Gisberta, considerando o crime apenas o resultado de «uma brincadeira de mau gosto», um dos advogados dos réus anunciou ir processar o Estado por considerar que as oficinas de S. José descuraram a educação do seu cliente. Percebam bem: durante uma semana, ele e os amigos dedicaram-se a torturar sadicamente uma sem-abrigo indefeso, até o lançarem a um poço e deixarem-no lá para morrer. A justiça considerou isto uma brincadeira e uma sucessão de azares. Mas não chega: é preciso ainda pedir desculpa e indemnizar o criminoso.

6 Enfim, uma coisa boa e um português especial. Na hora da verdade, Francis Obikwelu não se preocupou com a «síndroma Mamede»: sabia que era o melhor e que, por isso, tinha obrigação de ganhar, e ganhou. No final nem sequer sabia que tinha também ganho o direito a uma compensação monetária do Estado, pelos seus dois títulos europeus brilhantemente conquistados. O que ele lastimava era ter de viver e treinar em Espanha, porque em Portugal - onde se fizeram dez estádios para o Euro e onde se prepara um centro de estágios luxuoso para a selecção de futebol - não há uma pista coberta onde os atletas olímpicos se possam treinar durante o Inverno. Se não tem nascido na Nigéria e se não se tem treinado em Espanha, será que este português de coração teria chegado onde chegou?"

segunda-feira, julho 17, 2006

A nova economia

Nicolau Santos - "A economia está cada vez mais perigosa"
Expresso - 15/07/2006
NO MOMENTO em que escrevo, o preço do barril do petróleo está prestes a ultrapassar os 77 dólares, quando em 2004 andava na casa dos 30 dólares. O cenário dos 80 dólares já deixou de ser uma ficção - mas a escalada não deve parar por aqui. E já houve quem apontasse para um barril a 100 dólares. A guerra aberta no Médio Oriente, entre Israel, o Líbano e a Autoridade Palestiniana, a recusa do Irão em abandonar o seu programa nuclear, a explosão de um «pipeline» na Nigéria, os mísseis testados pela Coreia do Norte perante a irritação do Japão e o facto de os «stocks» de crude dos Estados Unidos estarem muito abaixo do que os analistas previam constituem um «cocktail» explosivo que vai continuar a empurrar o preço do ouro negro para a estratosfera. Junte-se a isto a espiral nacionalista em países produtores de petróleo e gás natural e o consumo crescente da China, Índia e Estados Unidos, e não se vê como podemos dormir descansados.

Acresce que, como nota António Costa e Silva em texto publicado neste caderno, Vladimir Putin se prepara para utilizar uma outra fonte de energia, o gás natural, para restaurar o poder e influência da Rússia, fazendo dela «a superpotência energética de que todos devem depender e, por isso, pagar um preço político». Para além do jugo geoestratégico, a outra consequência será inevitavelmente a subida do preço do gás natural.

Por tudo isto, e como é liminarmente evidente, os bancos centrais, em especial o BCE, estão particularmente sensíveis às tensões inflacionistas, pelo que é de esperar novos aumentos das taxas de juro: dos 2,75% actuais ninguém se espantará se chegarmos ao final do ano nos 3,25% ou mesmo 3,5%. Temos assim, pela frente, o pior cenário possível: aumento do custo do dinheiro e do barril do petróleo, acompanhado pela necessidade de continuar a reduzir o défice, quer por via da diminuição das despesas quer do aumento das receitas - tudo tendo por pano de fundo um crescimento ainda muito fraco e uma subida sustentada do desemprego, agravada pelo mediatismo de certos casos, como o encerramento da fábrica da General Motors na Azambuja.

Num quadro destes, ou desistimos ou vamos à luta. Na verdade, não há duas hipóteses: temos mesmo de ir à luta. E há alguns bons sinais. O crescimento, embora insuficiente, está a ser empurrado pelas exportações, com destaque para os mercados fora da União Europeia (Angola, China e Estados Unidos). Existe um conjunto de empresas que se estão a afirmar nos mercados externos, desde sectores mais tradicionais (Efacec, Valadares, Renova, Mota Engil, Grupo Pestana, Vila Galé...) até às de tecnologias de informação, passando por filiais das multinacionais instaladas no país (Siemens, Bosch, Vulcano, Autoeuropa...). E há uma consciência crescente que - embora o Estado tenha de fazer o seu trabalho de casa, apertando o cinto e parando de absorver recursos necessários para a economia - a sociedade civil, trabalhadores e empresas, tem de fazer a sua parte, trabalhando melhor e investindo com mais qualidade. Como a selecção nacional mostrou, não temos nada de genético que nos condene a ser inferiores aos outros. Também na economia há várias empresas que estão a dar o mesmo exemplo.

segunda-feira, junho 12, 2006

E será que se a pode tirar a quem já a tem?

RELAÇÃO LISBOA
Nacionalidade rejeitada a indiana por não saber hino
"TSF" - 12/06/2006


"Uma cidadã indiana viu rejeitada a sua pretensão de se tornar portuguesa, apesar de dominar perfeitamente o português e viver em Portugal desde 1997. O Tribunal da Relação de Lisboa entende que esta indiana revelava total desconhecimento da cultura portuguesa, não sabendo mesmo o hino nacional.
( 09:10 / 12 de Junho 06 )

O Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou a nacionalidade a uma cidadã indiana casada com um português há nove anos, alegando que esta, apesar de falar fluentemente o português, revelava total desconhecimento pela cultura portuguesa.

Segundo o «Público», a indiana de 33 anos, que vive desde 1997 em Portugal, que tem dois filhos nascidos em Portugal e que habita em casa própria, não sabe nem a letra, nem a música do hino português, nem conhece nenhuma figura relevante da cultura portuguesa.
Por isso, o tribunal decidiu rejeitar a pretensão da cidadã indiana, uma vez que esta não provou a «sua ligação efectiva à comunidade nacional», o que levou o tribunal a considerar no seu acórdão que «o desejo de adquirir a nacional portuguesa prende-se exclusivamente com o facto do seu marido e filhos terem a nacionalidade portuguesa».
«Revelou um desconhecimento da absoluta da história, cultura e realidade política portuguesas. Praticamente nada sabe sobre estas matérias, nenhum interesse ou curiosidade tendo revelado, ao longo destes anos em que passou a viver em Portugal, em tomar conhecimento - ainda que perfunctório - com esses temas», acrescenta o acórdão.
A cidadã indiana, que tem os seus filhos perfeitamente integrados na comunidade local, que é sócia de dois estabelecimentos comerciais e que está a tirar a carta de condução, tinha invocado a lei da nacionalidade para adquirir a nacionalidade portuguesa.
O artigo três desta lei diz que o «estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio».
Este artigo é complementado pela necessidade de ser o requerente a fazer prova da efectiva ligação à comunidade nacional, nunca sendo referida na mesma lei a necessidade de se ter conhecimentos cultura, história ou música, nem sequer da necessidade de se saber o hino nacional."

Se calhar com isso já não se lidaria tão bem

As outras metas que devíamos alcançar
Nicolau Santos
"Expresso" - 10/06/2006

«AGORA que nos preparamos para colocar o destino do país durante o próximo mês nos pés de onze homens e que definimos como meta mínima chegar aos oitavos-de-final no Mundial de futebol, era bom que apontássemos para outros objectivos bem mais importantes e que rejubilássemos com outras vitórias. Por exemplo:

1- Colocar o país a crescer a uma taxa de 4% ao ano até 2010. É possível, já por lá andámos no final da década de 80 e é desesperadamente urgente. Sem um crescimento acima da média comunitária, consistente, não só continuaremos a afastar-nos da média comunitária e a empobrecer em termos relativos, como teremos grande dificuldade em evitar o agravamento do desemprego, que só começa a cair a partir do momento que a economia está a crescer acima dos 2%.

2- Acabar com as situações de exclusão social ou de pobreza envergonhada que atingem dois milhões de portugueses em dez anos. Um país que carrega o negro troféu de ser o Estado da União Europeia onde as desigualdades sociais são maiores, a par de ter um dos rendimentos «per capita» mais baixos, não pode deixar de fazer um enorme esforço para reduzir as chagas sociais que o atingem. E as empresas têm o dever de contribuir para esse objectivo.

3) Tornar Portugal um país atractivo para técnicos e investimentos estrangeiros, transformando-nos na Califórnia da Europa. Isso implica desburocratizar, descer impostos, flexibilizar o mercado da habitação, oferecer bons serviços de saúde, divulgar a qualidade de vida do país no estrangeiro - mas também criar um ambiente cultural efervescente, que faça sentir bem quem decidir vir viver para Portugal.

4- Desenvolver continuadamente uma cultura de sucesso, que incentive o mérito e a excelência, em detrimento da inveja e da mediocridade. Portugal tem inúmeras facetas positivas na arquitectura, na música, no mundo empresarial, na ciência, na inovação, no turismo - e tem inúmeras personalidades, que vivem no país ou no estrangeiro, que se distinguem brilhantemente nas suas áreas de actividade. Há que divulgar continuadamente esses exemplos. Haverá muitos jovens que os quererão imitar.

Nós somos o país de Saramago e Lobo Antunes, de Siza Vieira e Souto Moura, de Maria João Pires e António Damásio, de Cutileiro e Cargaleiro, de Paula Rego e Júlio Pomar, de Pessoa e Amália, de Mourinho, Figo e Cristiano Ronaldo. Com estes rostos é fácil fazer uma grande campanha de imagem.

P.S. - Já agora, alguém pode explicar porque é que, tendo nós o melhor treinador do mundo (José Mourinho), não é ele o treinador da selecção nacional?»

E agora?

"Altri fica com Celbi"
Christiana Martins
"Expresso" - 10/06/2006

«PAULO Fernandes foi quem ofereceu mais e, por isso, acabou por comprar a fábrica de pasta da Celbi à Stora-Enso, por 428 milhões de euros. Para o grupo escandinavo Stora-Enso, a mais-valia será de 170 milhões. A aquisição vai permitir à Altri conquistar dimensão no segmento industrial. A Altri passa a estar em concorrência directa com o grupo Portucel Soporcel, que tem uma das suas unidades fabris mesmo em frente à fábrica da Celbi, na Figueira da Foz. A operação de aquisição deverá estar concluída até fim de Setembro.

A venda da Celbi foi considerada um desinvestimento estratégico para o grupo Stora-Enso. «Estamos a focar a nossa estratégia no Brasil, onde o primeiro passo será o arranque da fábrica de pasta de papel Veracel», afirmou em comunicado Jukka Harmala, CEO da Stora-Enso. Inaugurada em Setembro de 2005, a Veracel tem capacidade para produzir, anualmente, 900 mil toneladas de celulose branqueada de eucalipto e é considerada uma das fábricas mais avançadas do mundo.

As vendas da Celbi alcançaram, em 2005, 137 milhões de euros, dos quais 55 milhões foram vendas internas à Stora-Enso. A fábrica da Figueira da Foz tem uma capacidade de produção anual de 315 mil toneladas de pasta de fibra de eucalipto. Metade da matéria-prima é obtida a partir das próprias plantações da Celbi, avaliadas em 41 mil hectares e 18 milhões de euros.

A Altri justifica a aquisição da Celbi com a obtenção de sinergias resultantes da gestão conjunta das três fábricas de pasta - Celbi, Celtejo e Caima - e dos activos florestais, avaliadas em cerca de 80 milhões de euros. O novo grupo passará a ter uma capacidade de produção de pasta de 640 mil toneladas/ano a partir de 2008. O mercado europeu de pasta branqueada de eucalipto foi de 8,2 mil milhões de toneladas/ano em 2005 e, de acordo com uma apresentação para analistas preparada pela Altri, a Celbi terá dos mais reduzidos custos de produção de pasta na Europa.

A curto prazo, o projecto de expansão da Altri prevê aumentar a produção da fábrica da Figueira da Foz para 330 mil toneladas de pasta de papel. A aquisição foi financiada pelo BPI e pelo Caixa Banco de Investimento. O grupo liderado por Paulo Fernandes afirma que, para financiar a compra da Celbi, não terá de proceder a qualquer aumento de capital.

Os ganhos e as perdas

A Altri surgiu em Fevereiro de 2005, através da separação dos activos industriais do grupo Cofina, cuja denominação passou a abranger apenas os activos relacionados com os «media». Celulose do Caima/Celtejo e F. Ramada Aços e Indústrias passaram a constituir o universo da Altri.

Na corrida à Celbi, ficaram para trás o grupo espanhol Ence, a Portucel, Manuel Champalimaud e o fundo de investimento TDR. No mercado, avançava-se que a venda da Celbi deveria ficar entre 300 e 400 milhões de euros, valor que acabou por ser ultrapassado.»

terça-feira, maio 02, 2006

Concordo tanto que até duvidei que tivesse sido ele a escrever

"Trata-me por tu"
Jorge Fiel
"Expresso" - 29/04/2005

"QUANDO se doutorou, Marcelo Rebelo de Sousa era administrador do «Semanário». Mal concluiu as provas, a primeira coisa que fez quando chegou ao jornal foi instruir secretárias e telefonistas sobre a nova forma de tratamento a que tinha direito. De ora em diante, quem telefonasse a pedir para falar com o doutor Marcelo seria elegantemente corrigido - «E quem é que deseja falar com o professor Marcelo?».

Nós, os portugueses, adoramos títulos. Uma pessoa tão genial como Marcelo não resiste à vaidade de ser tratado por professor - e quando quer dar uma canelada por baixo da mesa ao seu colega-professor-doutor (e correligionário) Cavaco, faz o «downgrading» de se lhe referir como «o doutor Cavaco».

Uma pessoa tão encantadora como Miguel Horta e Costa não resistiu e mal pôde apoderou-se do título de barão, que vai acumular com o de comodoro da marina da Cascais.

Nós os portugueses, antes de sermos Manuéis, Isabéis, Antónios ou Marias, somos doutores, engenheiros, arquitectos, embaixadores, coronéis, professores, viscondes ou comandantes. E se, de algum modo, nos tornamos relevantes e se uma falha lamentável na nossa formação académica nos deixou nus, desprovidos de um título para anteceder o nome próprio, há sempre um Presidente da República para disfarçar a coisa, fazendo-nos comendadores, uma verdadeira praga a que não lograram escapar pessoas valiosas, que eu prezo e admiro, como Joe Berardo, Joaquim Cardoso ou Horácio Roque - ou até o meu amigo e colega Nicolau Santos, que até nem precisava pois já é doutor (licenciado).

Esta nossa atracção pelos títulos é um péssimo sintoma. Revela uma sociedade doente, onde a pompa conta mais do que o mérito, em que é possível camuflar a incompetência com um título impresso a relevo por baixo do nome, no cartão de visita. A mudança de cultura e mentalidades de que precisamos, para sermos mais prósperos e vivermos melhor, vai revelar-se em sinais, no dia-a-dia. O tratamento por «você» vai tornar-se arcaico, como aconteceu ao «usted» espanhol. Nas empresas e em sociedade, as pessoas vão passar a tratar-se pelo nome em vez do título académico. Os «open space» nos locais de trabalho, que estão na moda nos locais de trabalho (aqui no Expresso o nosso espaço tornou-se esta semana ainda mais aberto com a retirada dos armários altos), não podem ser só físicos - também têm de ser relacionais e mentais."

quarta-feira, abril 26, 2006

Tirou-me as palavras da boca, hehehehe!

"Estava-se mesmo a ver"

Miguel Esteves Cardoso
"Expresso" - 22/04/2006


"Às vezes parece que o maior terror dos portugueses é darem a impressão de estarem a tomar conhecimento dalguma coisa. Mesmo nas situações mais banais. Faltando meia hora para a retirada da empregada bendita e continuando a faltar uma camisa engomada para vestir, chama-se-lhe com sonsice a atenção: «Ó Dona Manuela, por acaso não me fazia o enorme favor de me passar uma camisa qualquer?» Mas ela, em vez de se fingir surpreendida, para disfarçar a incúria de deixar o patrão em tronco nu, prefere sempre fazer-se sabedora e informadíssima acerca do assunto. E vai logo, muito fresca: «Por acaso já tinha reparado que o senhor não tinha camisas passadas...»

E alonga-se cruelmente na demonstração de eu não lhe estar a ensinar nada: «Quando fui pendurar um casaco, lembrei-me de ir ver o camiseiro. E estava vazio... Até achei estranho, mas pensei que talvez a senhora as tivesse levado... E pensei assim para mim: o melhor é ir passar uma camisa do senhor, porque ele pode precisar. Só que, depois, com as pressas, esqueci-me... Deixe lá ver a camisa que eu passo-lha num instantinho!»

Esta estranha preocupação de simular omnisciência vai da área doméstica à académica. Recomenda-se a um aluno ou colega um livro acabado de sair de um autor desconhecido e ele assegura imediatamente: «Sim, sim... já tinha lido uma referência e estive quase a encomendá-lo... parece que é muito bom, não é?» Se o homem prevenido vale por dois, o português vale por mil porque, mesmo quando o apanham desprevenido, faz questão de «desdesprevenir-se» instantaneamente.

Poderá parecer que tal fobia à tomada de conhecimento traduz um certo ódio à aprendizagem em geral. Mas não. Quando muito, atrapalha o processo. Diz-se ao amigo: «Já ouviste o último disco dos Chorizo Omelette?» E ele até quer saber como se chama e como é - não quer é fazer figura de parvo. E daí que responda: «Já ouvi, já - então não! Mas olha, vê tu que escrevi o nome num bloco que eu tenho ao pé do computador e... como é que é que se chama?»
Quando se presta uma informação a um português, ele informa-se sub-repticiamente. Recusa-se a ficar atolado na ignorância. Tanto mais que tem sempre a amabilidade de nos dar os parabéns: «Pois claro! É isso, é... Tens razão! É esse o nome do último disco dos Chorizo Omelette! Estava farto de saber, só que, pronto, já sabes como é... um gajo está em casa e tal, na maior, mas toca o telefone, mais os miúdos e o cão, pá...»

Quando alguém ouve ou lê uma coisa que se tenha escrito, o elogio é invariavelmente dizerem-nos que era aquilo mesmo que tinham pensado. Passam-se meses a observar e a escrevinhar e o leitor agradecido não se contém: «É incrível como você pôs em palavras coisas que eu tinha pensado já há muito tempo...!» Fica-se sempre com uma sensaçãozinha de ladroagem. E um eco indesejado daquela cantilena horrenda que asseverava: «Só nós dois é que sabemos.»

A atitude epistemológica portuguesa resume-se da seguinte maneira: «eu sei tudo, mas é tanta coisa que a certa altura esqueço-me completamente. Como é que era aquilo? Tu, em contrapartida, sabes muito mas não tanto como eu, atenção. Tens é uma memória do caraças.» Anseia-se por aquelas duas palavras que não envergonham as outras raças e que tantas vezes conduzem ao esclarecimento: «não sei». Ou três: «não fazia ideia». Mas em Portugal, fora as repartições públicas, isso não existe. E mesmo nas repartições públicas é mais «Eu sei mas não lhe digo». Vivemos no império do «eu já soube...»; do «está na ponta da língua...»; do «eu tinha a obrigação de me lembrar mas, sabe, é tanta coisa e a cabeça já não dá para o que dava...»

Ser português é fingir que se sabe tudo mas querendo saber umas coisinhas ao mesmo tempo. Ficar surpreendido é dar parte fraca, pelo que a aprendizagem tem de fazer-se de uma posição de força, um bocado bruta até. A atitude dos portugueses perante uma novidade interessante é mostrar fastio e condescendência. A formulação típica é: «Olhe, não me está a dar novidade nenhuma, que eu isso já estava farto de saber... e, aliás, estive mesmo para lhe chamar a atenção precisamente para isso, só que faltava-me uns elementos, não sei se está a ver...»

O facto desta pose de omnisciência não enganar ninguém só a torna mais incompreensível e encantadora."

Mais um toque de genialidade...

"Óculos à Onassis"

Jorge Fiel
"Expresso" - 22/04/2006


"RUI Abecassis, um dos responsáveis do ICEP em Nova Iorque, começou este ano a usar uns impressivos óculos de massa à Onassis. Rui vê tão bem como um falcão. Os óculos, que lhe custaram um dinheirão (creio que são Armani), não têm graduação. São um instrumento de trabalho, um acessório para evitar que o seu rosto, correcto mas vulgar, continuasse a naufragar no mar das apresentações, apertos de mão e trocas de cartões de visita e piadas rápidas, que sublinham os milhares de eventos de negócios que sacodem o dia-a-dia da Big Apple.
Os óculos à Onassis foram o passaporte para a cara de Rui Abecassis emergir do anonimato. Desde que os usa, o homem do ICEP em Nova Iorque passou a ouvir mais vezes o «Sim, claro que me lembro da sua cara!» em vez do tradicional e desanimador «Desculpe, mas não estou a lembrar-me de onde o conheço…».

A vedeta da recente exposição Big Bang, no Centro Pompidou, foi a instalação «Attempt to raise hell», do americano Dennis Oppenheim, que consiste num boneco, vestido de preto e sentado num pequeno palco, que periodicamente dá uma sonora cabeçada num sino de bronze suspenso à sua frente.

O barulho ensurdecedor - não é por acaso que a obra se chama tentativa de criar o inferno… - propagava-se por todo o andar do Beaubourg, atraindo os curiosos, que demoravam mais tempo com a instalação de Oppenheim, a tentar perceber como é que o sino era tocado, do que a apreciar e decifrar as obras maiores de Magritte, Bacon, Mondrian ou Pollock que constavam desta exposição sobre a destruição e a criação na arte do século XX.

Os óculos à Onassis melhoraram a imagem e reconhecimento de Rui Abecassis, mas não evitam que os jornais nova-iorquinos continuem a mandar vendedores de publicidade (em vez de jornalistas) aos eventos que ele organiza.

O facto da instalação de Oppenheim atrair mais olhares e atenções que «Petite fille sautant à la corde» não faz de «Attempt to raise hell» uma obra melhor do que aquela estátua em que Picasso nos conseguiu transmitir a sensação de que a figura quer escapar da força de gravidade terrena.

Sócrates usa óculos à Onassis (vide «jogging» matinal da baía de Luanda) e está sempre a tocar o sino (vide Simplex, PRACE, pacotes de investimento estrangeiro). Mas a inflação está descontrolada, os juros sobem, a despesa pública derrapa, não se vê meios da economia melhorar, o prudente Constâncio está pessimista e o gigantesco esforço de rapar o tacho da equipa fiscal não vai chegar para salvar o Orçamento 2006.
Não basta ter boa imagem, agitar-se como uma varinha mágica e garantir a Stanley Ho que Portugal não está em crise, para que a crise desapareça. O primeiro-ministro é um bom político, mas não é o Luís de Matos."

E é pena...

"O dinheiro não cai do céu, meus senhores!"
Nicolau Santos
Expresso - 22/04/2006
«OS MAIS recentes dados sobre a execução orçamental são muito preocupantes e permitem concluir 1) que vai ser dificilimo cumprir o Orçamento do Estado para 2006; 2) que este Governo também não conseguiu controlar a despesa, que cresceu acima do que estava previsto no Orçamento Rectificativo de 2005.

É verdade que o OE do ano passado foi elaborado por um Governo do PSD e pelo ministro Bagão Félix - e era uma completa ficção. O OE Rectificativo, da responsabilidade do PS, tentou evitar o descalabro total. Mas o facto é que o saldo orçamental em percentagem do PIB, o saldo orçamental excluindo medidas temporárias, o saldo orçamental primário e o saldo primário ajustado do ciclo pioraram todos em 2005 quando comparados com os três anos anteriores.

O mais grave é que isto acontece num período em que os portugueses pagam cada vez mais impostos, fazendo com que a receita do Estado tenha atingido 41,9% do PIB no ano passado, contra 40,4% em 2003 e 41% em 2004.

Em contrapartida, o Estado não faz dieta. Na verdade, a despesa pública segue sem freio: 45,7% do PIB em 2003, 46,3% em 2004 e 47,9% em 2005. A despesa corrente primária, enfunada pelo crescimento automático das transferências sociais, aumentou quase 7% no ano passado, o que, mais que inadmissível, é insustentável, sobretudo quando o PIB estagnou. E, como consequência, a dívida pública passou de 58,6% para 64%, outro sinal inquietante.

Poderia haver uma esperança - a garantia de que, daqui para a frente, tudo vai ser diferente. Mas a OCDE afirma que são necessárias medidas adicionais e o Banco de Portugal lança dúvidas sobre o cumprimento das promessas do Governo. Por um lado, sublinha que o essencial do esforço de consolidação este ano estará ainda concentrado do lado da receita, que suportará cerca de dois terços do ajustamento previsto. Por outro, duvida de um conjunto de medidas anunciadas (a regra da saída de dois funcionários para entrar apenas um, o não aumento dos pagamentos sociais) e lembra que outras (reforma da administração central e revisão do sistema contributivo da função pública) só terão efeitos em 2007.

Estamos, pois, a entrar numa fase em que não bastam só discursos corajosos, é preciso começar a ver resultados. Ora o forte crescimento da despesa corrente primária no ano passado deixa inquietos todos os que consideram que os socialistas só sabem governar atirando dinheiro para os problemas - porque pensam que ele cai do céu.

2006 é, pois, um ano decisivo para a credibilidade deste Governo. Não há conjuntura externa, por pior que seja - e é, com o petróleo a caminho dos 80 dólares e o aumento das taxas de juro -, que justifique que o Estado continue a engordar, enquanto os portugueses apertam o cinto. E ninguém aceitará que o desequilíbrio orçamental venha de novo a ser resolvido à custa do aumento dos impostos - porque o problema não é cobrar mais, é gastar menos ou, por outras palavras, é inviável sustentar este modelo de funcionamento.»

vai uma passa?

"Casino Portugal"
Miguel Sousa Tavares
22/04/2006 - "Expresso"
«NÓS tínhamos uma lei contra o fumo em locais públicos que era suposto ter entrado em vigor em Janeiro passado: era uma lei sensata e justa, que defendia a liberdade de escolha dos estabelecimentos, os direitos dos fumadores e dos não-fumadores. Mas o novo governo cancelou-a, dizendo que ia estudar melhor o assunto. Logo temi o pior: uma lei mais «moderna», radical, «fracturante». Não há nada que os nossos governos mais gostem do que imaginarem-se à moda, sobretudo se isso apenas implica o trabalho de proibir e não implica diminuição das receitas do Estado. O governo não quer proibir a venda e consumo de tabaco - longe disso! - porque isso significaria um abalo nas receitas públicas. O governo não quer que as pessoas deixem de fumar - e por isso não se propõe participar ou descontar nos tratamentos e medicamentos para tal. Quer que continuem a fumar, mas longe da vista e perto do fisco, ao mesmo tempo que faz passar a ideia de que está a «defender a saúde pública». E tem o apoio das sondagens, sabendo que os portugueses adoram ver proibidos aos outros aquilo que eles não gostam ou não praticam. Aliás, é tão funda a mentalidade salazarista da proibição, que nos inquéritos de rua até há fumadores que defendem a proibição do fumo.
Suponho que, depois de ter proibido o fumo em todos os locais públicos fechados, depois de ter transformado o acto de fumar numa coisa vexatória e clandestina, o governo se prepare para atacar outros vícios privados que são casos de saúde pública. O álcool e a má alimentação, por exemplo. É escusado enumerar os malefícios clínicos e sociais do álcool: muito pior do que deixar fumar numa discoteca é servir «shots» aos miúdos que depois se vão viciar nisso ou virar suicidas na estrada. Quanto à alimentação, é sabido que o seu mau uso é a maior causa de doenças de toda a ordem e respectivas despesas sociais. Muito pior do que fumar num restaurante é comer num McDonalds. Porque não os proíbem?

O que vale é que isto é Portugal e há sempre volta a dar. Fiquei a saber, por exemplo, que a bordo do avião do primeiro-ministro para Angola, onde viajava um terço do PIB nacional - num louvável esforço ético para enriquecer ainda mais a nomenclatura da Grande Família do Futungo de Belas, à custa dos angolanos - era permitido fumar. Aqueles de nós que não conseguirem deixar o vício, têm sempre essa última esperança: serem eleitos primeiros-ministros e associarem o vício privado com a pública virtude. Outra excepção é o vício do jogo, entre nós tratado oficialmente como «investimento» e «indústria turística».
Esta semana, Stanley Ho veio a Portugal inaugurar o seu segundo Casino - o muito publicitado Casino Lisboa, fruto dos delírios da gestão camarária de Santana Lopes, que, ao resolver financiar a impossível ressurreição de uma coisa mais do que medíocre chamada «teatro de revista», conseguiu deixar a Câmara de Lisboa entalada e o Parque Mayer encalhado de vez, ao mesmo tempo que dava ao arquitecto Frank Ghery o seu melhor contrato de sempre, à Bragaparques uma fortuna e ao senhor Ho o cumprimento do «sonho antigo de dotar Lisboa de um casino». Que, como se calcula, fazia uma falta tremenda à cidade e à economia dos seus habitantes - os quais, segundo as previsões da Estoril-Sol, num ano e meio de vício, amortizarão todo o investimento e dentro de dois anos já lá estarão a deixar 125 milhões de euros de receita.

Pois, Stanley Ho - que, para todos os efeitos e dêem-se as voltas ao texto que se derem - faz fortuna à custa do vício alheio, teve o privilégio de ser recebido em audiência privada pelo Presidente da República e pelo primeiro-ministro. E, para a inauguração do seu casino, contou com o ministro da Economia e a ministra da Cultura (realmente, os casinos adoram ter uma caução cultural e lá fazem uns concertos e umas exposições de pintura, mas aquilo digamos que está para a cultura como a música militar está para a música...).
Mas, não me interpretem mal: uma das raras virtudes que eu tenho é gostar de vícios. Também gosto de jogar e de ir a casinos. Mas, se tanto, vou uma vez cada dois anos a um casino, onde adoro sentar-me na mesa do «blackjack», pedir um whisky e (oh, escândalo!, oh incongruência!)... acender um charuto. Porque conheço histórias de tragédias pessoais e familiares causadas pelos casinos, ao pé das quais o cancro de pulmão é um simples acidente vital, mantenho-me prudentemente longe. Não defendo a sua proibição porque, acima de tudo, acredito na liberdade de determinação individual, mas, por favor, o mesmo governo que me quer tratar como proscrito por ser fumador, não me venha vender um casino como investimento de interesse público! Fiquem com a receita para os cofres do Estado, mas abstenham-se de hipocrisias.

Particularmente, acontece ainda que eu não gosto da personagem Stanley Ho. Não da pessoa, que não conheço, mas da personagem. E não gosto, desde que, aqui há uns anos, no EXPRESSO, li a única entrevista que o vi dar: perguntavam-lhe, a certa altura, se ele jogava, e ele respondeu, quase ofendido, que não, nunca, jamais. A mesmíssima moral de um governo que cobra em impostos dois terços do preço de cada cigarro e finge querer que as pessoas deixem de fumar. Faz-me lembrar um poema da minha mãe: «As pessoas sensíveis não gostam de ver matar galinhas/ porém, gostam de comer galinhas».

Aqui há umas semanas, também no EXPRESSO, li um trabalho sobre Stanley Ho, onde, a certa altura, um daqueles portugueses influentes que tanto lhe devem, afirmava isto: «Portugal deve muito a Stanley Ho!». E eu fiquei a pensar se seria distracção minha ou se, de facto, não existe nenhuma indústria, nenhuma fábrica, nenhuma exploração agrícola, nenhum bairro social, nenhuma empresa tecnológica, feita em Portugal pelo senhor Ho. Se é distracção minha ou o 84º homem mais rico do mundo não doou a Portugal um hospital, um museu, uma universidade, um centro cultural, um monumento. Ou, mais modestamente, uma ala de hospital, um laboratório de universidade, um centro de terceira idade, um prémio científico ou cultural, uma sala de museu, caramba!, um jardim público! Dizem que, com o novo Casino Lisboa, mais o do Estoril, o comendador Ho terá criado 900 postos de trabalho. Mas alguém tem de trabalhar para ele para que ele possa facturar 125 milhões por ano, só em Lisboa. E, por mais ordenados que ele pague, nunca se compararão àqueles que os seus casinos arrecadam dos jogadores, todos os meses.

De modo que, desculpem este desabafo, mas às vezes penso que, ou eu estou a ficar senil, ou o mundo está de pernas para o ar: exaltam-se as virtudes hipócritas e perseguem-se os vícios honestos.

Deixem lá o cigarro na boca do Malraux! E do Bogart e, já agora, do Corto Maltese!»

sexta-feira, abril 21, 2006

A pechincha

"Audi de Santana Lopes trocado por dois Golf ecológicos"
Anabela Mendes
"Público" - Quarta, 19 de Abril de 2006

«O carro do anterior presidente da Câmara de Lisboa, Pedro Santana Lopes, um Audi topo de gama, foi trocado por dois Volkswagen Golf, a diesel e gás, dando por terminada a saga que durante alguns meses envolveu a viatura. Segundo o vereador das Obras Municipais, Pedro Feist, também responsável pela frota da autarquia, o Audi tinha sido adquirido por 99 mil euros e os dois novos carros, que deverão chegar à câmara na próxima semana, têm um valor comercial de cerca de 66 mil euros. "Desta forma, pode dizer-se que o Audi não foi um mau negócio, pois tratou-se de uma espécie de aluguer que custou, durante quatro anos, apenas 33 mil euros à autarquia", explica o responsável. De acordo com Pedro Feist, quando Santana Lopes chegou aos Paços do Concelho havia dois veículos Volvo, do tempo de João Soares, "já com muito uso e que passaram para o serviço de dois directores municipais". De acordo com aquele responsável, Santana Lopes começou por ter um Lancia, que deu muitos problemas. "Foi feita uma sondagem junto de outros municípios e mesmo junto de alguns secretários de Estado, para saber o valor e qualidade das viaturas, e na altura recebi uma proposta dos agentes da Audi, que nos cediam um carro de serviço, com cerca de seis mil quilómetros, 30 mil euros abaixo do valor de mercado", explica. O vereador diz que o recomendou "com insistência" a Santana Lopes, pois não via nenhuma razão para que "o presidente da Câmara de Lisboa não tivesse um carro daquela qualidade", atendendo ao bom preço a que era apresentado. "É lamentável que Santana Lopes tenha sido objecto de especulação e até de ofensas quando a ele não cabiam responsabilidades directas, mas a mim, que recomendei o carro", garante. O vereador relembra ainda que recebeu contactos directos de particulares interessados na compra do Audi presidencial, que remeteu sempre para as hastas públicas, onde "estranhamente esses interessados nunca apareceram a licitar a viatura".»

segunda-feira, abril 10, 2006

Pois...

"A inevitável derrota"
Eduardo Prado Coelho
Público - 10/04/2006

«A carreira de Sporting tem sido bastante impressionante. A partir de uma equipa desmoralizada, e sem consistência, herança de um Peseiro a que Dias da Cunha estava afeiçoado, Paulo Bento chegou de um modo um pouco inesperado. Era uma solução que vinha de dentro, e parecia uma daquelas soluções de recurso que não têm futuro. Uma espécie de "o programa continua dentro de momentos. Contudo, Paulo Bento começou por revelar-se no modo de falar. Não afirmou que ia ganhar tudo, como fizera Peseiro, no seu estilo de Mourinho frustrado. Paulo Bento é um pragmático, um positivista: para ele os factos são uma realidade tangível, um pão é um pão e um queijo é um queijo, e os jogadores do Sporting são os jogadores que o Sporting tem. Lançou alguns, como Nani, coqueluche da massa associativa, Tentou outros, como André Marques por exemplo, mas logo se apercebeu de que um grande clube não pode ser um jardim de infância.
Mas a forma altamente determinada, a voz segura, o discurso bem articulado, uma certa filosofia da vida mostraram que temos homem. Sem o lado intelectual de Boloni e os seus cadernos de apontamentos. Sem o popularismo sem garra de José Peseiro, num equilíbrio entre a capacidade de pensar o jogo e de estar no terreno, quase dentro do campo, a sentir como os jogadores. E foi implacável nos aspectos de disciplina.
Encontrou um Ricardo inseguro que pouco a pouco foi recuperando. E criou uma defesa sem golos sofridos semana após semana. Uma defesa onde Polga ou Tonel e Abel justificaram a sua contratação. Mas o ataque parece algo à deriva. Douala perdeu a forma depois de a ter tido. Certos nomes como Deivid, Romagnoli ou Koke, ainda não argumentaram o suficiente para nos surpreenderem e convencerem. O Liedson é de facto um jogador extraordinário, mas o ataque do Sporting vive demasiado em torno das suas capacidades. Se Liedson não está feliz, a equipa fica infeliz. E Sá Pinto é um prodígio de energia e entusiasmo, mas a idade não perdoa e ele compensa em denodo certa escassez de virtudes. Por outro lado, depois de um arranque impressionante, José Moutinho, um jogador notável, tem tido altos e baixos. É a vida, como diria o nosso engenheiro, numa dessas exclamações que não dizem nada e afinal dizem tudo. Carlos Martins joga brilhantemente um em cinco jogos. Nunca se sabe qual é o jogo que escolheu para ser brilhante, mas quando é, é mesmo.
O que se passou sábado foi talvez um excesso de expectativas que se confirmava nas multidões mais ou menos mascaradas de sportinguistas eufóricos. De certo modo, todos sabiam que era um jogo difícil, mas ninguém acreditava na derrota. Amigos meus seguiram aquele princípio irracional mas reconfortante de que a sua presença podia dar azar ao Sporting. Eu também pensava isso no mau tempo das derrotas, mas tive a esperança de que a maldição tivesse sido ultrapassada. Ainda tentei vários truques para sacrifício do olhar, ir à casa de banho e ficar de ouvido à escuta, passear pelos corredores, ou tomar um café. Nada deu resultado. Logo no estilo esgarçado dos primeiros minutos, e no meio de uma arbitragem de um "cartocompulsivo", se percebeu que o Sporting não encontrava o fio ao jogo e estava um bocado perdido. Estas coisas sentem-se, e também se pressentem. A partir de certa altura já sabia que seríamos derrotados, que sairíamos todos acrabunhados. Augusto Santos Silva, que é um homem de equilíbrios parlamentares, acusou as cores escuras com que eu estava vestido de manifesto mau augúrio. Talvez tenha razão, mas para o caso tanto faz. Como diria a minha avó paterna, viemos ao mundo para sofrer. Com o Sporting, é claro.»

segunda-feira, março 20, 2006

Eu acho que ela se deixou afectar

"Fechar uma escola"
Clara Ferreira Alves

"Expresso" - 18/03/2006

"A escola D. João de Castro vai fechar. A notícia tem passado mais ou menos despercebida nos jornais, excepto para os interessados e envolvidos, os pais e alunos, o Ministério da Educação e a Câmara Municipal de Lisboa. Esta semana, a associação de pais resolveu meter o Estado em tribunal, exigindo indemnizações. Isto, porque «o clima de instabilidade que se vive na escola tem óbvios reflexos no desempenho dos alunos», segundo o jornal «Público». O Ministério da Educação, através da Direcção Regional de Educação de Lisboa, está a conduzir o processo de encerramento da escola. Ainda segundo a mesma notícia (assinada por João Pedro Henriques), «o encerramento foi anunciado há semanas, mas o processo iniciou-se no ano lectivo de 2001-2002, quando a escola deixou de ter 7.º ano. Nessa altura leccionava-se do 7.º ao 12.º ano, tendo a escola 660 alunos e agora só vai do 9.º ao 12.º, com 291 alunos. Numa primeira fase, foi dito que os alunos da D. João de Castro seriam transferidos para a Fonseca Benevides - cujos corpos directivos, aliás, também se queixaram, alegando não ter condições, nem pedagógicas nem de instalações, para receber os alunos da escola a encerrar». Agora fala-se de uma possível transferência para a escola Rainha D. Amélia. Segundo o secretário de Estado da Educação, seria «irrevogável» a intenção governamental de «suspender» o funcionamento da escola. Por um lado, os pais não sabem o que isto quer dizer, por outro lado, acham que a verdadeira intenção do Ministério e da DREL é a de mudar-se para as instalações da D. João de Castro. A Câmara de Lisboa, que não foi ouvida nem consultada no processo, aprovou uma deliberação contra o Governo, exigindo a suspensão de todos os encerramentos previstos das escolas do concelho. Por tudo isto se vê como está instalada a desordem. A Escola D. João de Castro, que tem um bom lugar no «ranking» nacional da escolas e tem tido bons resultados de sucesso escolar, faz parte de um grupo de escolas, antigamente chamadas liceus, que por sua vez fazem parte do passado e da tradição da cidade. Tal como a Pedro Nunes, a Maria Amália Vaz de Carvalho, a Camões, a D. Filipa de Lancastre, a Passos Manuel, entre outras, a D. João de Castro educou gerações de alunos, e serviu o bairro onde se inscreve e a cidade onde moramos todos. Fechar uma escola é um acto gravíssimo e que deve ser ponderado porque não são apenas as instalações que se fecham, fecha-se também um passado, uma memória colectiva, um pedaço da história pessoal dos habitantes. As instalações da D. João de Castro são de qualidade superior, do auditório ao pavilhão desportivo, do ginásio aos centros de recursos bem equipados, das salas de aula aos jardins. O edifício está em excelente estado, e pressente-se que, para todos aqueles que neste momento frequentam a escola, uma decisão pendente de encerramento deve ser, como alegam os pais, geradora de tensão e instabilidade para alunos e professores, prejudicando o desempenho escolar. As razões invocadas pelo Ministério, quaisquer que sejam, devem ter em conta a Câmara Municipal, que tem todo o direito a ser envolvida no processo, porque as escolas não são apenas uma responsabilidade do Governo mas também da cidade. A razão principal do encerramento deve ser aquela já invocada noutros casos não consumados. Já ouvimos falar no possível encerramento da Passos Manuel, e da Maria Amália Vaz de Carvalho, por falta de alunos e falta de dinheiro. A desertificação do coração de Lisboa e dos seus bairros antigos, a substituição de habitação popular e de baixa classe média por condomínios privados (cujos proprietários preferem as escolas e colégios privados para os seus filhos), levou à diminuição dos alunos das escolas do centro de Lisboa enquanto as escolas dos subúrbios crescem e rebentam pelas costuras. A perene falta de fundos do Ministério da Educação, sem meios financeiros para reabilitar escolas que estão, como estava a Maria Amália até há pouco tempo, em estado adiantado de degradação patrimonial, junta-se à razão anterior para decidir o fecho. Ora, as escolas públicas são e devem ser um meio de captação de habitantes e um modo de convencer os pais a não as trocar por escolas privadas, promovendo a excelência e o ensino de qualidade. Se uma escola está a cair, com os vidros partidos e os jardins secos, com a tinta a despegar-se das paredes e os muros derrubados, os alunos entram em debandada. Já escrevi aqui, justamente a propósito do possível encerramento da Maria Amália, a escola onde andei e uma escola que marcou o resto da minha vida, que a Maria Amália deveria ser arranjada e pintada em vez de encerrada, pondo termo à sua decrepitude e decadência física. Ainda hoje encontro e me correspondo com antigas e excelentes professoras da escola, entretanto reformadas, e que foram essenciais para a formação do carácter e da educação de tantos alunos, e eram unânimes em considerar o encerramento de uma escola assim um atentado histórico. Na altura, falava-se na reconversão da Maria Amália em condomínio privado, um desses crimes comuns em Lisboa, que matou cafés para instalar bancos, e destruiu bairros para instalar fortalezas. A Maria Amália está agora pintada e arranjada, com um aspecto glorioso que realça a beleza do edifício (já não se fazem escolas destas) e recomeça a atrair alunos. Parece que «está na moda ir para a Maria Amália», e acredito que a recuperação da escola está ligada à recuperação do edifício. A Pedro Nunes também anda a necessitar de obras, e assim, escola a escola, se recupera a vida da cidade. A Câmara Municipal tem toda a razão em exigir ser ouvida, porque os critérios economicistas ou funcionais não podem ser razões destrutivas. Pelo menos, antes de se pensarem em alternativas e em modos de atrair a população estudantil. No caso da D. João de Castro, alma mater de muito boa gente, não nos podemos dar ao luxo de a transformar em departamento administrativo. Uma escola é feita por prédios e pessoas, e uma cidade também. Espero que a D. João de Castro, como a Maria Amália Vaz de Carvalho, sobreviva."

Parecem-me mais "Fatias de Leão"

"As OPA ou o ano dos jovens leões"
Nicolau Santos
"Expresso" - 18/03/2006
"DIGAMOS o óbvio: a OPA do BCP sobre o BPI não teria acontecido se Jorge Jardim Gonçalves e Artur Santos Silva fossem os presidentes das duas instituições. Na verdade, desde há muito que vigorava um pacto de não agressão entre os maiores banqueiros nacionais, embora os cenários de fusão amigável sempre tivessem sido motivo de conversas mais ou menos aprofundadas. A mudança de lideranças no sector, desejosas de se afirmar, alterou este frágil equilíbrio. Não nos iludamos, contudo: a OPA é protagonizada por Paulo Teixeira Pinto, mas é improvável que tenha sido lançada sem a concordância de Jorge Jardim Gonçalves. Este ou não faria a OPA ou fá-la-ia de outra maneira. Mas as novas lideranças, no BCP como na Sonae, precisam destas operações para provar que se libertaram da sombra tutelar dos seus antecessores.

ESTABILIDADE POLÍTICA
As duas OPA são também consequência da estabilidade política que o país vive. No último ano, empresários, investidores, decisores, numa palavra, os «animal spirits» de que falava John Maynard Keynes, observaram o estilo e a forma de actuar de José Sócrates. E gostaram. Estão confortáveis com o Governo socialista e não esperam surpresas desagradáveis. A eleição de Cavaco Silva para Presidente da República veio reforçar a crença de que haverá estabilidade política até ao final da legislatura em 2009.
A par disso, a Europa assiste a uma nova vaga de OPA’s como não se via desde os anos 90. De acordo com o gabinete de estudos Dealogics, as operações transfronteiriças na Europa, anunciadas desde o começo do ano, ascendem já a 173 mil milhões de dólares, o valor mais elevado desde há seis anos. E começou a tornar-se claro para empresas cotadas em bolsa que quem não crescer por aquisições, ganhando alguma dimensão, corre o sério risco de ser «opado». Chegou, pois, a hora de voltar a investir, de apostar, de arriscar.
A AFIRMAÇÃO DOS NOVOS LÍDERES
NOS ÚLTIMOS três anos assistiu-se em Portugal a uma lenta mas consistente passagem de testemunho entre os líderes incontestados dos grupos que nasceram ou se recompuseram após 1974 para uma nova geração de dirigentes, excepcionalmente bem preparados nas melhores escolas de gestão mundiais e que entretanto fizeram o seu tirocínio no próprio grupo ou em empresas internacionais. Paulo Azevedo, 40 anos, e Paulo Teixeira Pinto, 45, representam bem essa nova geração de gestores de topo, que no entanto necessitam de ganhar as suas esporas de cavaleiro, a sua carta de alforria. Estas operações são também a marca de água que os distingue. Paulo Azevedo foi o mentor da OPA da Sonaecom sobre a PT. Paulo Teixeira Pinto foi quem propôs avançar sobre o BPI.
NADA SERÁ COMO ANTES
Paulo Azevedo e Paulo Teixeira Pinto correm, no entanto, sérios riscos. Iniciaram um movimento que se sabe como começou - mas não como vai acabar. Como dizia Samora Machel, não se pode parar o vento com as mãos. O mercado português ficou debaixo dos holofotes internacionais. Mesmo que as duas operações resultem, ainda assim as empresas daí nascidas continuarão a ser pequenas no plano europeu e mundial. Logo, o risco de serem «opadas» não pode ser descartado.
Os fundos internacionais podem encontrar um parceiro português, que seja o seu testa-de-ferro para uma OPA concorrente sobre a PT. Estará o Governo disponível para recusar uma operação deste tipo, com características meramente financeiras, em detrimento do projecto industrial da Sonae?
Por seu turno, o BCP soltou todos os demónios ao avançar para a OPA sobre o BPI. Há quatro anos, o BBVA perguntou ao Governo de Durão Barroso e ao Banco de Portugal qual seria a reacção se comprasse um banco português. A resposta foi que não haveria problema desde que a compra não fosse hostil. A partir de agora, nem o Governo nem o banco central estão em condições de dizer, a quem quer que seja, para não comprar um banco em Portugal. Paulo Teixeira Pinto lançou a OPA sem perguntar às autoridades nacionais. Porque é que qualquer outro banco, nacional ou estrangeiro, o há-de fazer a partir de agora?
O DESTINO DOS PAULOS
Para o mal ou para o bem, estas OPA vão marcar o futuro dos dois Paulos - mas também a ideia que vamos criar desta nova geração de líderes e gestores. Se tiverem sucesso, confirmam que já se libertaram da sombra tutelar dos que os antecederam e que vão projectar a sua imagem bem para lá deles. Se não... É que do outro lado também estão jovens leões. A luta vai ser renhida. «Les jeux ne sont pas faits».

P.S. - Na semana passada critiquei o Santander por ter bancado a operação da Sonae sendo o banco que mais trabalhava com a PT, o que lhe possibilitaria acesso a informação confidencial. Do Santander dizem-me que não é assim, da PT insistem que sim. Se errei, as minhas desculpas ao Santander. Nunca quis pôr em causa a credibilidade da instituição."

Também és pouco bruto...

"É o capitalismo, estúpido!"
Miguel Sousa Tavares

"Expresso" - 18/03/2006

"VAI por aí uma euforia tonta com as OPA e a Bolsa de Lisboa. Em tom entusiasmado, garantem-nos que estão de volta os bons tempos do optimismo económico e da «dinamização» da sempre letárgica Bolsa de Lisboa, e juram até que os simpaticamente chamados «investidores internacionais» estão de volta ao mercado de capitais português. Confesso que não percebo tanta euforia: quando os abutres financeiros voltam a pairar no céu é porque há carne fresca para engolir. Como habitualmente, as vítimas vão ser os ingénuos que ouviram dizer que «a bolsa está a dar» e que, sem tempo, conhecimentos e «contactos», vão meter lá as suas poupanças só para perceber que chegaram tarde e a más horas, porque os «investidores internacionais» e os especuladores nacionais já «realizaram mais-valias» e, ala que se faz tarde, foram-se para outras paragens. Já assisti, pelo menos, a duas conjunturas de euforia bolsista entre nós, e não me lembro que a bolsa tenha saído credibilizada ou que o país tenha visto a sua riqueza acrescida, as suas empresas mais competitivas ou a economia mais sólida. Lembro-me, sim, de algumas fortunas feitas em «over-night» e de algumas empresas sem futuro capitalizadas até ao absurdo, e logo vendidas pelos seus proprietários.

Mas a verdade é que andam todos eufóricos, com estes jogos de OPA e contra-OPA. Ensinam-nos, até às décimas, a composição societária da Sonae, da PT, da EDP, do BPI, do BCP, do BES, ficamos a saber quem está por trás de quem, quem está com os espanhóis e quem é suspeito de «patriotismo», quais são os negócios com marca da Opus Dei e os da Maçonaria, e, em tom íntimo, ouvimos dissertar sobre as intenções do Paulo, do Belmiro, do Ricardo, do Fernando e do Engenheiro. Espantados, vemos o acossado presidente da PT discursar às tropas comparando-se ao general Kutuzov resistindo ao Napoleão-Belmiro às portas de Moscovo, e vemos os amigos de ontem acusarem-se de ataques «hostis» e, entrelinhas, de quererem roubar à má-fila o negócio alheio. A paz implodiu entre os cavalheiros da finança, mas, aparentemente, isto é um bem para o país, tão bom que os ministros do Governo não disfarçam a sua satisfação com o que consideram «a retoma da confiança» e «a demonstração de que o mercado funciona». Não compreendo: não foi Marx quem ensinou que é assim que o capitalismo caminha para a sua autodestruição, engolindo-se todos uns aos outros? E não são estes, apesar de tudo, ministros de um governo socialista?

Mas há mais coisas que, estupidamente, me custam a compreender que façam a euforia de um Governo socialista, observando de fora, e deleitado, este espectáculo de miúdos a jogar Monopólio. Vejamos: se, depois de sucessivas fusões e aquisições, só restam praticamente três bancos privados portugueses, não é mau para a concorrência e para os consumidores que um deles engula outro? Com mais de meio milhão de desempregados, não é pior que as anunciadas OPA resultem também em já anunciados despedimentos? Quando se quer impor o aumento da idade da reforma, é saudável que se anunciem, como resultante das OPA, reformas antecipadas, chamadas tecnicamente de «aproveitamento de sinergias»?

E, já agora, o principal: de onde vem tanto dinheiro? À custa de quem foram obtidos os astronómicos lucros da EDP? É sem dúvida louvável que o presidente-cessante da empresa se despeça dando um bónus de 120 euros a cada um dos seus 8.000 trabalhadores (além dos tradicionais e infinitamente mais generosos prémios aos administradores, decididos por um órgão societário, hoje determinante, chamado «comissão de vencimentos»): mas não seria mais louvável que tivéssemos a electricidade mais barata, conforme foi solenemente prometido quando se privatizou a EDP? E o que andava a PT a fazer com tanto dinheiro que, só agora, sob ameaça, resolveu dobrar o dividendo dos accionistas, assim como só agora se dispõe a aceitar o fim do seu confortável monopólio de facto na rede fixa? Não teria sido possível, sem OPA, ter aberto o sector à concorrência muito antes, para que o telefone tivesse deixado de ser entre nós um produto de luxo e os portugueses não fossem obrigados a sofrer o pior e mais caro serviço de telefone fixo de toda a Europa?

E os lucros dos bancos, santo Deus?! Como é que num país onde o PIB cresce 0,5% e os depósitos dos clientes, geridos «private» e profissionalmente, pouco mais valorizam do que a taxa de inflação (e, vá lá, vá lá...), os bancos conseguem apresentar lucros de 60 e 70%? E como podem pagar em média 10% de IRC sobre os lucros - graças ao «off-shore» da Madeira, à «consolidação fiscal» e a uma série de bonificações e isenções - enquanto os seus clientes pagam até 42% de IRS e o porteiro do banco alguns 20%? Onde está a riqueza do país correspondente à riqueza destes gigantes nacionais? Onde estão as empresas que crescem e criam empregos e riqueza graças a financiamento acessível, energia a preços concorrenciais e telecomunicações eficientes e baratas?

Sim, eu sei: lá fora, dizem-nos, é igual. «Lá fora», e «na vizinha Espanha», em particular, também há OPA e «off-shores» e fusões e lucros absurdos no sector financeiro. Já me explicaram isso vários economistas, vários ministros, vários pragmáticos - e eu continuo sem perceber bem. Também sei que há a «globalização» e a necessidade de as nossas principais empresas ganharem «dimensão crítica», para resistirem a investidas do estrangeiro e não termos de cair na situação onde agora se encontram espanhóis e franceses, inventando legislação retroactiva e batotas de emergência engendradas pelos governos, para defenderem os seus «campeões nacionais». Mas, permitem-me um desabafo? A finalidade do capitalismo, como aliás a de toda a economia, não é a satisfação das necessidades individuais? Pois se assim é e se vivemos num incontornável mundo globalizado, a mim, enquanto consumidor e destinatário final das politicas económicas, é-me indiferente a nacionalidade da operadora telefónica, da seguradora do meu carro ou do banco que me financia o crédito à habitação: quero é poder escolher entre quem melhor me sirva.

Por teimosia patriótica ou por necessidade estratégica, acho prudente não abrirmos mão de algumas coisas, mas de outra natureza: a água, a língua e a cultura, a paisagem natural e o património, as 200 milhas, as leis e tradições de vida em sociedade, a Justiça pública, a Caixa Geral de Depósitos, a Selecção Nacional de Futebol e o arquipélago dos Açores. Acrescento, por razões de pura política, mais duas instituições, que acho que devem ser defendidas e até subsidiadas: a agricultura e o Vasco Pulido Valente. A agricultura, por razões à vista de preservação da vida rural e da paisagem e de povoamento e ordenamento do território; o Vasco Pulido Valente, porque, sem o seu pessimismo extremo, temo que já não restassem, por oposição, quaisquer razões para optimismos.

Agora, de duas uma: ou se quer ver o mercado funcionar a sério e então não são admissíveis distorções à concorrência nem situações de favor e privilégio; ou isto não é a sério e não finjam que é, quando dá jeito, e que já não é quando aqui d’el rei que vêm aí os espanhóis engolir os nossos «campeões nacionais»."

Mais acessores

"Explicação"
Vasco Pulido Valente


"Público" - 18/03/2006

«Pese embora a José Manuel Fernandes, quando se tratou das nomeações para o Conselho de Estado, Jorge Sampaio fez precisamente o contrário de Aníbal Cavaco Silva. Queria que os partidos representados na Assembleia da República (excepto o Bloco, nessa altura, ainda em embrião) estivessem também representados no Conselho de Estado. Ofereceu, por isso, um lugar da sua quota pessoal ao presidente do CDS e outro ao secretário-geral do PC. O presidente do CDS, por razões que não interessam aqui, resolveu recusar. O secretário-geral do PC não recusou e o PC teve o seu assento garantido durante todo o mandato. A política de Jorge Sampaio é muito compreensível. Se a Assembleia se portava com facciosismo, ignorando uma parte significativa de si própria, competia ao Presidente repor o equilíbrio. O Conselho de Estado, sendo consultivo, não decide nada, mas na medida do possível deve representar a opinião do regime e do país. Deixar de fora o CDS ou PC diminui, como é óbvio, sua eficácia e o seu valor: e contribui para isolar o Presidente. O Presidente não precisa de uma claque de "notáveis", precisa de um instrumento que lhe sirva de medida e orientação, quando as coisas se complicam.
Quanto aos conselheiros, não há de facto qualquer impedimento a que o dr. Cavaco nomeie Gengis Khan seu assessor político. Só parece estranha a concentração em Belém de gente que em princípio se julgava incompatível, ou quase incompatível, com a personagem pragmática e moderada do candidato à Presidência. A comparação com Sampaio (José Manuel Fernandes que me desculpe) volta aqui a ser reveladora. Sampaio não foi buscar uma dúzia de lunáticos ao formigueiro da extrema-esquerda para o ajudarem. E por um bom motivo. Um pequeno grupo de zelotas, para não dizer pior, acaba frequentemente por influenciar (ou envenenar) a atmosfera ideológica de uma instituição. O que sem eles se considerava impensável é com eles, de repente, vulgar. Admito que vozes de burro não cheguem ao céu por onde paira o dr. Cavaco e que teoricamente a presença em Belém de certas criaturas se destine a meros fins de ornamentação. Teoricamente: porque, na prática, a ornamentação conta. Essas criaturas chegam com um passado, encarnam causas, trazem uma agenda e exercem funções de algum alcance. Não são o dourado de uma porta. São uma franja da direita irreformada e irreformável, que o dr. Cavaco instalou no centro da política.»

Os acessores

"Isto começa mal"
Vasco Pulido Valente


"Público" - 17/03/2006

«O dr. Cavaco nunca passou, ou se apresentou, como um homem típico da direita. Quando chegou a primeiro-ministro, até se disse o único representante português da "esquerda moderna" e durante todo o mandato governou invariavelmente como um "social-democrata" de modelo "europeu", que à superfície parece continuar a ser. Foi, por isso, uma surpresa a espécie de gente que insistiu em levar para Belém. As nomeações para o Conselho de Estado, por exemplo, revelam uma estranha de hostilidade ao Parlamento. Não em si mesmas, claro. Mas porque deixam o PC e o BE sem um único representante, o CDS representado por um homem sem uma verdadeira ligação ao partido e o próprio PSD "real", que ficou só com Marques Mendes (de resto eleito pela Assembleia da República) e com o ambíguo Loureiro, um pouco pendurado. Este Conselho de Estado proclama o "esplêndido isolamento" do dr. Cavaco: a sua orgulhosa auto-suficiência.
A escolha de assessores também não tranquiliza. O assessor para Assuntos Políticos e grande nome da revista Atlântica, António Araújo, o consultor para Assuntos Políticos, o notório dr. Espada, e a consultora para a Ética e Ciências da Vida, uma açoriana, podiam perfeitamente ter saído ontem de uma caverna qualquer do Bible Belt, a berrar por Bush. Será que o dr. Cavaco, que sempre julgámos relativamente equilibrado, quer de facto embarcar numa cruzada moral contra o aborto, a pílula, o divórcio, a homossexualidade, a pornografia e o resto dos crimes sem perdão em que o "niilismo" moderno nos "poluiu"? Se quer, precisa de músculo: e tem muito músculo no dr. Carlos Blanco de Morais, da "nova direita" e da revista Futuro Presente, conhecido apologista da "maneira forte", que da imigração à nacionalidade já mostrou o seu apego à "ordem". Para acabar o quadro, há ainda o contingente "liberal". O inevitável dr. Espada, claro, papagaio por excelência do ultraconservadorismo americano; o prof. Justino, que acha o levantamento do sigilo bancário um acto de "fascismo fiscal" (fascismo? a sério?); e o dr. Borges de Assunção, consultor económico e organizador do Compromisso Portugal (esse benemérito grupo), que vem com a velha receita de "emagrecer" o Estado e reduzir impostos.
Se o dr. Cavaco resolver um dia ouvir este raminho de cabeças pensantes, põe em pé de guerra ou simplesmente em guerra a esquerda e a república. E, se puser, não se deve iludir, com certeza que perde. Isto começa mal.»

Os acessores

"Isto começa mal"
Vasco Pulido Valente


"Público" - 17/03/2006

«O dr. Cavaco nunca passou, ou se apresentou, como um homem típico da direita. Quando chegou a primeiro-ministro, até se disse o único representante português da "esquerda moderna" e durante todo o mandato governou invariavelmente como um "social-democrata" de modelo "europeu", que à superfície parece continuar a ser. Foi, por isso, uma surpresa a espécie de gente que insistiu em levar para Belém. As nomeações para o Conselho de Estado, por exemplo, revelam uma estranha de hostilidade ao Parlamento. Não em si mesmas, claro. Mas porque deixam o PC e o BE sem um único representante, o CDS representado por um homem sem uma verdadeira ligação ao partido e o próprio PSD "real", que ficou só com Marques Mendes (de resto eleito pela Assembleia da República) e com o ambíguo Loureiro, um pouco pendurado. Este Conselho de Estado proclama o "esplêndido isolamento" do dr. Cavaco: a sua orgulhosa auto-suficiência.
A escolha de assessores também não tranquiliza. O assessor para Assuntos Políticos e grande nome da revista Atlântica, António Araújo, o consultor para Assuntos Políticos, o notório dr. Espada, e a consultora para a Ética e Ciências da Vida, uma açoriana, podiam perfeitamente ter saído ontem de uma caverna qualquer do Bible Belt, a berrar por Bush. Será que o dr. Cavaco, que sempre julgámos relativamente equilibrado, quer de facto embarcar numa cruzada moral contra o aborto, a pílula, o divórcio, a homossexualidade, a pornografia e o resto dos crimes sem perdão em que o "niilismo" moderno nos "poluiu"? Se quer, precisa de músculo: e tem muito músculo no dr. Carlos Blanco de Morais, da "nova direita" e da revista Futuro Presente, conhecido apologista da "maneira forte", que da imigração à nacionalidade já mostrou o seu apego à "ordem". Para acabar o quadro, há ainda o contingente "liberal". O inevitável dr. Espada, claro, papagaio por excelência do ultraconservadorismo americano; o prof. Justino, que acha o levantamento do sigilo bancário um acto de "fascismo fiscal" (fascismo? a sério?); e o dr. Borges de Assunção, consultor económico e organizador do Compromisso Portugal (esse benemérito grupo), que vem com a velha receita de "emagrecer" o Estado e reduzir impostos.
Se o dr. Cavaco resolver um dia ouvir este raminho de cabeças pensantes, põe em pé de guerra ou simplesmente em guerra a esquerda e a república. E, se puser, não se deve iludir, com certeza que perde. Isto começa mal.»

terça-feira, março 14, 2006

Um bom negócio

Lisboa
"Audi de Santana Lopes volta hoje a hasta pública"

"PÚBLICO" - 14.03.2006 - 10h21

«Se tudo correr bem, acabará hoje a "maldição" do Audi A8 4.2 litros Tiptronic Quattro do ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Pedro Santana Lopes, que ninguém quer, apesar de estar a "preço de saldo".
Na segunda tentativa de venda do veículo em leilão municipal, poderá ser o ex-autarca e ex-primeiro-ministro a adquiri-lo, caso venha a conseguir um empréstimo bancário para pôr termo "à lamentável situação", conforme noticiou o semanário "Expresso". Com apenas três anos e parado na garagem desde Setembro de 2005, o topo de gama da marca alemã está à venda por uma verdadeira pechincha - 56.250 euros, contra os cem mil euros que custou aos cofres da autarquia. À parte o seu consumo exorbitante em circuito urbano, são muitas as virtudes. Demora 5,4 segundos a chegar aos cem quilómetros, atinge os 250 quilómetros por hora, tem uma caixa automática de seis velocidades, estofos de couro, interiores de madeira de raiz de nogueira, 19 pontos de iluminação, Multi Media Interface (um computador que permite aceder ao telefone, televisão, CD-ROM, sistema de navegação, climatização). Está em bom estado de conservação, conta apenas com 66 mil quilómetros de estrada. Tem uma cor sóbria, azul-escuro. O seu grande defeito são os 17,5 litros de gasolina que consome por cada cem quilómetros. Comprado a 26 de Agosto de 2003, o carro esteve envolto em polémica desde o primeiro dia. A oposição questionou o montante gasto para um automóvel que habitualmente é apenas solicitado para cargos de chefia de Estado. Foi, inclusive, Santana Lopes que decidiu avançar com a venda do carro antes de abandonar a câmara, em Julho do ano passado. O negócio, contudo, acabou nas mãos do actual presidente, Carmona Rodrigues, que avançou com a venda em hasta pública. O ex-ministro das Obras Públicas prefere um Peugeot 607, veículo adquirido por 50 mil euros.»

segunda-feira, março 13, 2006

Em inglês?

"Expresso" - 11.03.2006

"Clara Ferreira Alves processa Pulido Valente

CLARA Ferreira Alves decidiu processar por difamação Vasco Pulido Valente devido aos comentários de que foi alvo no blogue Espectro, dirigido pelo cronista, a propósito de um texto de Ferreira Alves, publicado no EXPRESSO, sobre Santana Lopes."

Ainda o Audi - o problema é quem vai pagar o empréstimo (donde lhe virá o graveto)

"Santana compra carro da Câmara"
"Expresso" - 11.03.2006
"PEDRO Santana Lopes escreveu esta semana a Carmona Rodrigues informando-o de que quer comprar o seu antigo carro na Câmara de Lisboa - um Audi topo-de-gama, que Carmona decidiu leiloar.

Santana diz que vai «recorrer a um empréstimo bancário» para pôr termo «à lamentável situação» que acusa a autarquia de ter criado. «Venho assim tranquilizá-lo perante o grande incómodo que certamente tem sido a questão do ‘carro de Santana’», lê-se na missiva, onde o ex-autarca não poupa um remoque ao seu sucessor e velho amigo: «Procurei até agora não intervir, apesar das notícias e do silêncio da autarquia que deve respeito ao cargo institucional dos seus presidentes».

Carmona Rodrigues entendeu leiloar o Audi 8 (que custou 115 mil euros à autarquia, e que Santana Lopes garante «não ser blindado») por não querer ficar com a viatura. Mas na carta lê-se que a aquisição da viatura foi «uma excelente oportunidade» e estranha-se «ninguém dizer qual o preço dos carros dos presidentes de câmaras de dimensão aproximada ou de responsáveis por empresas públicas».

Das duas vezes que foi a leilão, com o preço-base de 62.500 euros, ninguém licitou a viatura."

No melhor pano cai o Cavaco...

"Boa sorte, senhor Presidente!"
Miguel Sousa Tavares
"Expresso" - 11.03.2006

"COMEÇO por fazer esta confissão, se calhar indevida: nunca votei em Cavaco Silva. Nem nas três vezes que se candidatou a primeiro-ministro, nem nas duas que se candidatou a Presidente. Sei que muitos dizem o mesmo, mas no silêncio das urnas votaram nele: não foi o meu caso e, dizendo-o agora, acho que mereço credibilidade. Por razões que adiante resumirei, fui sempre muito crítico daquilo a que se chamou o «cavaquismo», muito embora lhe reconheça seriedade e empenho enquanto governante. E os dez anos seguintes, em que ele esteve em pousio político, à espera de nova oportunidade para Belém, não me foram suficientes para apagar da memória aquilo de que não gostei anteriormente.

Mas, a partir de anteontem, Cavaco Silva é o meu Presidente, como Jorge Sampaio o foi até lá. Nesta matéria, aliás, sou bastante inflexível: a única pessoa que trato por Presidente é o Presidente da República, seja ele quem for. Estive dez anos na RTP, onde toda a gente tratava os presidentes do Conselho de Gestão por «senhor presidente» (será que ainda continuam a fazê-lo?) e eu nunca o tratei como tal, assim como não trato por presidente os presidentes dos clubes de futebol (incluindo o do meu), das Câmaras Municipais ou de qualquer outra coisa - conforme é costume da boa gente portuguesa. Porque sou republicano, acredito que o respeito devido a um Presidente da República começa por aí e, mais do que uma manifestação de respeito pela pessoa ou pelo cargo, é uma manifestação de respeito pela República e por mim próprio.

Obviamente, só posso desejar boa-sorte ao novo Presidente da República - caso contrário, ou estaria a desejar mal para o país, ou faria parte daqueles que acham que o cargo é rigorosamente inútil e que a única coisa que se espera de um Presidente é que faça umas digressões pelo país, passe revista às tropas em ocasiões solenes, elabore uns discursos rigorosamente despidos de conteúdo político, se desloque em visitas ao estrangeiro onde lhe é absolutamente vedado ocupar-se de política externa e distribua, de vez em quando, umas condecorações pelos amigos e suplicantes.

Ora, eu não acho que o cargo seja inútil e despido de conteúdo político - há mais vida para lá da «bomba atómica», em Belém. A questão, obviamente, está em saber gerir com mestria - e com resultados úteis para o país - essa ambígua demarcação do que sejam ao certo os poderes presidenciais, matéria tão discutida na última campanha eleitoral e condenada a continuar a ser entusiasticamente discutida até à eternidade pelos nossos constitucionalistas. Pessoalmente, acho que não se perderia nada em concretizar alguns desses poderes ou, pelo menos, em demarcar bem as suas fronteiras. Mas sabe-se como os juristas detestam leis claras, que todos possam interpretar de forma mais ou menos pacífica e igual - talvez tenham medo de perder o emprego. É com isso, pois, que vamos ter de continuar a viver. É com isso que Cavaco Silva vai ter de viver nos próximos dez anos - assim tenha saúde, porque vontade de se recandidatar certamente que também a ele não lhe faltará, quando chegar a ocasião.

A avaliar pelo seu discurso de posse, o novo Presidente, tal como muitos anteciparam na campanha mas agora quase todos negavam, vem com vontade de fazer coisas e de não se conformar com o que ele próprio chamou «o imobilismo»: não será uma estátua em Belém nem em digressão pelo país. Não é necessariamente um mal, desde que a sua agenda política própria - que a tem, inegavelmente - não entre em colisão com a do governo.

Na Assembleia da República, Cavaco Silva, não obstante as cautelas da praxe, foi suficientemente explícito em zonas de tradicional ambiguidade, para se poder razoavelmente concluir que, pelo menos à partida, ele faz questão de se distanciar da agora tão elogiada magistratura do seu antecessor. Certas passagens do seu discurso foram, a meu ver, elucidativas. Assim, quando ele, em lugar de dizer que actuará dentro do quadro dos seus poderes constitucionais, disse que actuará «dentro da interpretação que faço dos meus poderes constitucionais». Assim, quando substituiu a «cooperação institucional» dos discursos de campanha pela «cooperação estratégica» do discurso de posse. E assim, quando, referindo-se explicitamente às suas relações com o Governo, falou em fazer «obra comum». Ora, como se sabe, quem tem de fazer obra é o governo - o Presidente limita-se a vigiar que o Governo o faça de acordo com a Constituição. A «cooperação estratégica» não passa por fazer «obra comum»: passa por um fazer e o outro vigiar de alto (nem sequer controlar, porque essa é a função da Assembleia).

Mais sintomático ainda, é quando Cavaco Silva enuncia como programa do seu mandato aquilo que verdadeiramente é um programa de Governo. Quase nada de política externa ou de defesa - as únicas zonas onde ainda partilha constitucionalmente algum poder com o Governo; e nada sobre a qualidade da democracia e os direitos de cidadania, que lhe cabe vigiar. Em vez disso, a reforma da justiça, do ensino e qualificação profissional e do financiamento da segurança social. Tudo, curiosamente, não apenas matérias da estrita competência do Governo, mas também matérias que era suposto terem sido resolvidas com as célebres «reformas da década», que ele anunciou ter feito e, como se vê, não fez.

De facto - e aí reside o essencial da minha crítica ao «cavaquismo» - Cavaco Silva teve dez anos privilegiados para governar e fazer as reformas de que o país precisava e gastou-os a fazer estradas, hospitais e pouco mais. Deixou a justiça em roda livre, aumentou o «monstro» da Administração Pública sem a reformar, deixou a educação entregue aos sindicatos e as verbas para formação do Fundo Social Europeu entregues a vigaristas sem escrúpulos, e a Segurança Social na antevéspera da falência. Tudo aquilo que ele agora anuncia ir exigir que este Governo
faça e que ele não fez, quando tinha maioria absoluta, uma enxurrada de dinheiros europeus e uma situação económica internacional invejável, com juros baixos e energia barata. Seja por má consciência, seja por vontade séria de ver o país libertar-se finalmente das razões do seu crónico atraso, a verdade é que Cavaco Silva, se escolher ir por aí, só encontrará neste Governo o mais inadequado dos bodes expiatórios para os males de que o país sofre. A opinião pública tem a percepção de que este é o primeiro Governo em muitos, muitos anos, que começou verdadeiramente a tentar mudar o estado de coisas e a enfrentar os poderes estabelecidos a todos os níveis da sociedade. E, logicamente, espera que o Presidente o ajude, e não que o atrapalhe.

Que a sorte e o talento dêem ao novo Presidente a sabedoria de perceber o que pode e deve fazer e o que não pode e não deve fazer."

Ó pá...

"O país já ganhou, a OPA talvez não"
Nicolau Santos
"Expresso" - 11.03.2006
QUALQUER que seja o resultado da OPA lançada pela Sonaecom, o país já ganhou. Vai haver mais concorrência - a separação das redes de cobre e do cabo é agora inevitável. É improvável que seja autorizada a fusão da Optimus com a TMN. E a PT percebeu que tem que melhorar o seu desempenho e tratar muito melhor os clientes.

Ponhamos os pontos nos is. A imagem que a PT transmitia era a de uma empresa com uma gestão arrogante e majestática para com os mais fracos e temerosa para com os poderosos, desprezando a concorrência interna e não cumprindo (ou só o fazendo relutantemente) as orientações do regulador, com um corpo accionista pouco coeso, onde um dos grupos manda mais que os outros e impõe os seus homens na administração, com uma estratégia defensiva no Brasil, onde se deixou encurralar e perdeu iniciativa, esquecendo também os mercados emergentes a Leste e na Ásia.

A ideia que passava era pois que a PT estava a ser gerida aquém das suas potencialidades no meio de um agónico processo de transição de poderes ao nível da administração. E quando um predador sente que a empresa está ferida, é nessa altura que ataca. Foi o que aconteceu. E foi a PT que se pôs a jeito.

Dito isto, convém também dizer duas outras coisas. A primeira é que a PT é a nossa única multinacional, o melhor cartão-de-visita de Portugal no exterior, conta nos seus quadros com muitos dos melhores especialistas nacionais e, em muitas áreas, desenvolve as melhores práticas a nível internacional, sendo inovadora em produtos, processos e serviços. E não é por causa da percepção que hoje existe sobre a empresa que tudo deixa de ser verdade.

Por isso, esta operação é uma oportunidade única para administração e trabalhadores da PT compreenderem que não iam por bom caminho - e que têm que fazer muito melhor do que nos últimos dois anos. Se não a aproveitarem, demonstrarão que não merecem a segunda oportunidade que eventualmente vão ter. E inevitavelmente acabarão por ter novos donos a mais ou menos curto prazo.

Porque é que a OPA da Sonaecom sobre a PT pode falhar? Por quatro grandes razões. A primeira é que Belmiro de Azevedo se propõe comprar 50% mais uma acção e não a totalidade do capital. Ora, Belmiro não tem propriamente uma boa relação com os accionistas minoritários, como o prova o seu passado nesta matéria, em que os conflitos judiciais se têm sucedido. E numa empresa como a PT é insustentável manter este tipo de conflitualidade.

A segunda razão é que a contraproposta da administração da PT (aprovada por todos os membros do «board», incluindo a Telefónica e apenas com as compreensíveis abstenções da CGD e do Estado) de distribuir €3 mil milhões, embora em três anos, tem condições para fazer hesitar muitos dos potenciais vendedores.

A terceira é que esta operação exige uma enorme alavancagem financeira. E para a pagar a Sonaecom vai ter de vender vários activos da PT, desde logo a rede de cobre, mas também o Brasil, as posições em África e provavelmente a PT Multimédia. Ou seja, a empresa não só vai reduzir-se em termos de dimensão, perdendo o seu carácter de multinacional, como quase desaparece no «ranking» da classificação por capitalização (está agora a meio da tabela mundial), como sobretudo vê altamente prejudicada a sua capacidade de investir nos anos seguintes. Deixamos de ter um campeão nacional, passamos a ter uma empresa centrada no mercado doméstico. Os accionistas podem não gostar desta visão futura da PT - e o Governo também não.

Como reflexo do que atrás fica dito, e este é o quarto ponto, as três grandes agências de notação (Standard & Poors, Fitch e Moody’s) desceram o «rating» da PT depois de conhecerem o plano da operadora de distribuição de dividendos até 2008 - mas dizem que o descerão ainda mais se a OPA da Sonaecom tiver sucesso por temerem um grande aumento do endividamento. Ou seja, as agências não gostam de nenhuma das propostas. Mas acham menos má, apesar de tudo, a da administração, o que é um sinal para que os grandes investidores institucionais não aceitem a proposta de Belmiro.

Será uma pena. Em primeiro lugar, porque Belmiro é o nosso maior e melhor empresário. Em segundo, porque uma acção tão ousada deveria ser recompensada. Em terceiro, porque prestou um serviço ao país e à própria PT. Em quarto, porque depois de não ter conseguido afirmar-se na banca, nem nos «media», nem controlar a Portucel, bem que merecia poder juntar o maior grupo português à maior empresa nacional. Mas as coisas são o que são. Aguardemos os próximos capítulos.

P.S. - O Santander é um dos grandes parceiros bancários da PT, com acesso a muita informação sigilosa da operadora. Mesmo assim, aceitou bancar a operação da Sonae. Não sei se há uma ética bancária. Mas se existe, o Santander fica muito bem na fotografia.