sexta-feira, dezembro 16, 2005

Pátrias

"O patriotismo"
Vasco Pulido Valente
Público - 16/12/2005

"Aparecem nesta campanha meia dúzia de ideias que mereciam ser discutidas, mas que se perderam na confusão geral. Uma delas veio em parte de Manuel Alegre e é a ideia de patriotismo. Não que Manuel Alegre tenha explicado muito bem o que pensa. Se, por um lado, se diz patriota, por outro também se diz cosmopolita, sem se aperceber que uma coisa excluiu a outra. De qualquer maneira, levantou a questão de saber em que pode assentar hoje o patriotismo português. Uma questão interessante: porque, tirando um cego amor à terra onde se nasceu, mesmo no caso extremo da Lapónia ou Alguidares-de-Baixo, o patriotismo precisa normalmente de uma razão: a paisagem, uma forma particular de sociedade, uma situação privilegiada no mundo, o que se quiser. Ora, do princípio do século XIX até agora, o patriotismo português foi sempre, na essência, "retrospectivo". Mais precisamente, ignorou o Portugal moderno, em que nunca encontrou qualquer motivo de satisfação ou de orgulho, e glorificou o Portugal do século XV e do século XVI de que Os Lusíadas se tornaram o emblema. A famosa polémica de Eça com Pinheiro Chagas, que fez rir gerações, não passa da crítica à devoção "histórica" de Chagas, que Eça acusa de ignorar e, pior ainda, de esconder o país fraco, mesquinho e miserável de 1880. Depois disso, o patriotismo republicano, que assentava numa consciência aguda da inferioridade indígena, não trouxe nada de novo (basta ouvir o hino), excepto o ódio à Inglaterra, vista (erradamente) como inimiga em África e sustentáculo dos Braganças na Europa. E, por fim, Salazar, o representante por excelência da contra-revolução (e não do fascismo, evidentemente), empurrando Portugal para uma espécie de Idade Média mítica (os castelos reconstruídos com cimento, a nostalgia da vida rural, a cultura popular, a extraordinária exposição de 1940), tirou definitivamente o patriotismo da realidade e, a seu tempo, pregou connosco na suprema irrealidade da guerra colonial.
E em 2005: onde se irá buscar o fundamento para o amor da Pátria? Num Estado eficiente, numa democracia exemplar, numa sociedade inovadora e próspera, na integridade do ambiente, na ordem urbana, na ciência, na cultura humanística, na cozinha, na arte? Ou num mirífico papel internacional que só existe para a propaganda e a retórica? O bom senso deve supor que não. Fica, é claro, o patriotismo do futebol e das bandeirinhas do Euro. Será esse que Manuel Alegre anda por aí a recomendar?"