segunda-feira, março 20, 2006

Eu acho que ela se deixou afectar

"Fechar uma escola"
Clara Ferreira Alves

"Expresso" - 18/03/2006

"A escola D. João de Castro vai fechar. A notícia tem passado mais ou menos despercebida nos jornais, excepto para os interessados e envolvidos, os pais e alunos, o Ministério da Educação e a Câmara Municipal de Lisboa. Esta semana, a associação de pais resolveu meter o Estado em tribunal, exigindo indemnizações. Isto, porque «o clima de instabilidade que se vive na escola tem óbvios reflexos no desempenho dos alunos», segundo o jornal «Público». O Ministério da Educação, através da Direcção Regional de Educação de Lisboa, está a conduzir o processo de encerramento da escola. Ainda segundo a mesma notícia (assinada por João Pedro Henriques), «o encerramento foi anunciado há semanas, mas o processo iniciou-se no ano lectivo de 2001-2002, quando a escola deixou de ter 7.º ano. Nessa altura leccionava-se do 7.º ao 12.º ano, tendo a escola 660 alunos e agora só vai do 9.º ao 12.º, com 291 alunos. Numa primeira fase, foi dito que os alunos da D. João de Castro seriam transferidos para a Fonseca Benevides - cujos corpos directivos, aliás, também se queixaram, alegando não ter condições, nem pedagógicas nem de instalações, para receber os alunos da escola a encerrar». Agora fala-se de uma possível transferência para a escola Rainha D. Amélia. Segundo o secretário de Estado da Educação, seria «irrevogável» a intenção governamental de «suspender» o funcionamento da escola. Por um lado, os pais não sabem o que isto quer dizer, por outro lado, acham que a verdadeira intenção do Ministério e da DREL é a de mudar-se para as instalações da D. João de Castro. A Câmara de Lisboa, que não foi ouvida nem consultada no processo, aprovou uma deliberação contra o Governo, exigindo a suspensão de todos os encerramentos previstos das escolas do concelho. Por tudo isto se vê como está instalada a desordem. A Escola D. João de Castro, que tem um bom lugar no «ranking» nacional da escolas e tem tido bons resultados de sucesso escolar, faz parte de um grupo de escolas, antigamente chamadas liceus, que por sua vez fazem parte do passado e da tradição da cidade. Tal como a Pedro Nunes, a Maria Amália Vaz de Carvalho, a Camões, a D. Filipa de Lancastre, a Passos Manuel, entre outras, a D. João de Castro educou gerações de alunos, e serviu o bairro onde se inscreve e a cidade onde moramos todos. Fechar uma escola é um acto gravíssimo e que deve ser ponderado porque não são apenas as instalações que se fecham, fecha-se também um passado, uma memória colectiva, um pedaço da história pessoal dos habitantes. As instalações da D. João de Castro são de qualidade superior, do auditório ao pavilhão desportivo, do ginásio aos centros de recursos bem equipados, das salas de aula aos jardins. O edifício está em excelente estado, e pressente-se que, para todos aqueles que neste momento frequentam a escola, uma decisão pendente de encerramento deve ser, como alegam os pais, geradora de tensão e instabilidade para alunos e professores, prejudicando o desempenho escolar. As razões invocadas pelo Ministério, quaisquer que sejam, devem ter em conta a Câmara Municipal, que tem todo o direito a ser envolvida no processo, porque as escolas não são apenas uma responsabilidade do Governo mas também da cidade. A razão principal do encerramento deve ser aquela já invocada noutros casos não consumados. Já ouvimos falar no possível encerramento da Passos Manuel, e da Maria Amália Vaz de Carvalho, por falta de alunos e falta de dinheiro. A desertificação do coração de Lisboa e dos seus bairros antigos, a substituição de habitação popular e de baixa classe média por condomínios privados (cujos proprietários preferem as escolas e colégios privados para os seus filhos), levou à diminuição dos alunos das escolas do centro de Lisboa enquanto as escolas dos subúrbios crescem e rebentam pelas costuras. A perene falta de fundos do Ministério da Educação, sem meios financeiros para reabilitar escolas que estão, como estava a Maria Amália até há pouco tempo, em estado adiantado de degradação patrimonial, junta-se à razão anterior para decidir o fecho. Ora, as escolas públicas são e devem ser um meio de captação de habitantes e um modo de convencer os pais a não as trocar por escolas privadas, promovendo a excelência e o ensino de qualidade. Se uma escola está a cair, com os vidros partidos e os jardins secos, com a tinta a despegar-se das paredes e os muros derrubados, os alunos entram em debandada. Já escrevi aqui, justamente a propósito do possível encerramento da Maria Amália, a escola onde andei e uma escola que marcou o resto da minha vida, que a Maria Amália deveria ser arranjada e pintada em vez de encerrada, pondo termo à sua decrepitude e decadência física. Ainda hoje encontro e me correspondo com antigas e excelentes professoras da escola, entretanto reformadas, e que foram essenciais para a formação do carácter e da educação de tantos alunos, e eram unânimes em considerar o encerramento de uma escola assim um atentado histórico. Na altura, falava-se na reconversão da Maria Amália em condomínio privado, um desses crimes comuns em Lisboa, que matou cafés para instalar bancos, e destruiu bairros para instalar fortalezas. A Maria Amália está agora pintada e arranjada, com um aspecto glorioso que realça a beleza do edifício (já não se fazem escolas destas) e recomeça a atrair alunos. Parece que «está na moda ir para a Maria Amália», e acredito que a recuperação da escola está ligada à recuperação do edifício. A Pedro Nunes também anda a necessitar de obras, e assim, escola a escola, se recupera a vida da cidade. A Câmara Municipal tem toda a razão em exigir ser ouvida, porque os critérios economicistas ou funcionais não podem ser razões destrutivas. Pelo menos, antes de se pensarem em alternativas e em modos de atrair a população estudantil. No caso da D. João de Castro, alma mater de muito boa gente, não nos podemos dar ao luxo de a transformar em departamento administrativo. Uma escola é feita por prédios e pessoas, e uma cidade também. Espero que a D. João de Castro, como a Maria Amália Vaz de Carvalho, sobreviva."