segunda-feira, março 13, 2006

Ó pá...

"O país já ganhou, a OPA talvez não"
Nicolau Santos
"Expresso" - 11.03.2006
QUALQUER que seja o resultado da OPA lançada pela Sonaecom, o país já ganhou. Vai haver mais concorrência - a separação das redes de cobre e do cabo é agora inevitável. É improvável que seja autorizada a fusão da Optimus com a TMN. E a PT percebeu que tem que melhorar o seu desempenho e tratar muito melhor os clientes.

Ponhamos os pontos nos is. A imagem que a PT transmitia era a de uma empresa com uma gestão arrogante e majestática para com os mais fracos e temerosa para com os poderosos, desprezando a concorrência interna e não cumprindo (ou só o fazendo relutantemente) as orientações do regulador, com um corpo accionista pouco coeso, onde um dos grupos manda mais que os outros e impõe os seus homens na administração, com uma estratégia defensiva no Brasil, onde se deixou encurralar e perdeu iniciativa, esquecendo também os mercados emergentes a Leste e na Ásia.

A ideia que passava era pois que a PT estava a ser gerida aquém das suas potencialidades no meio de um agónico processo de transição de poderes ao nível da administração. E quando um predador sente que a empresa está ferida, é nessa altura que ataca. Foi o que aconteceu. E foi a PT que se pôs a jeito.

Dito isto, convém também dizer duas outras coisas. A primeira é que a PT é a nossa única multinacional, o melhor cartão-de-visita de Portugal no exterior, conta nos seus quadros com muitos dos melhores especialistas nacionais e, em muitas áreas, desenvolve as melhores práticas a nível internacional, sendo inovadora em produtos, processos e serviços. E não é por causa da percepção que hoje existe sobre a empresa que tudo deixa de ser verdade.

Por isso, esta operação é uma oportunidade única para administração e trabalhadores da PT compreenderem que não iam por bom caminho - e que têm que fazer muito melhor do que nos últimos dois anos. Se não a aproveitarem, demonstrarão que não merecem a segunda oportunidade que eventualmente vão ter. E inevitavelmente acabarão por ter novos donos a mais ou menos curto prazo.

Porque é que a OPA da Sonaecom sobre a PT pode falhar? Por quatro grandes razões. A primeira é que Belmiro de Azevedo se propõe comprar 50% mais uma acção e não a totalidade do capital. Ora, Belmiro não tem propriamente uma boa relação com os accionistas minoritários, como o prova o seu passado nesta matéria, em que os conflitos judiciais se têm sucedido. E numa empresa como a PT é insustentável manter este tipo de conflitualidade.

A segunda razão é que a contraproposta da administração da PT (aprovada por todos os membros do «board», incluindo a Telefónica e apenas com as compreensíveis abstenções da CGD e do Estado) de distribuir €3 mil milhões, embora em três anos, tem condições para fazer hesitar muitos dos potenciais vendedores.

A terceira é que esta operação exige uma enorme alavancagem financeira. E para a pagar a Sonaecom vai ter de vender vários activos da PT, desde logo a rede de cobre, mas também o Brasil, as posições em África e provavelmente a PT Multimédia. Ou seja, a empresa não só vai reduzir-se em termos de dimensão, perdendo o seu carácter de multinacional, como quase desaparece no «ranking» da classificação por capitalização (está agora a meio da tabela mundial), como sobretudo vê altamente prejudicada a sua capacidade de investir nos anos seguintes. Deixamos de ter um campeão nacional, passamos a ter uma empresa centrada no mercado doméstico. Os accionistas podem não gostar desta visão futura da PT - e o Governo também não.

Como reflexo do que atrás fica dito, e este é o quarto ponto, as três grandes agências de notação (Standard & Poors, Fitch e Moody’s) desceram o «rating» da PT depois de conhecerem o plano da operadora de distribuição de dividendos até 2008 - mas dizem que o descerão ainda mais se a OPA da Sonaecom tiver sucesso por temerem um grande aumento do endividamento. Ou seja, as agências não gostam de nenhuma das propostas. Mas acham menos má, apesar de tudo, a da administração, o que é um sinal para que os grandes investidores institucionais não aceitem a proposta de Belmiro.

Será uma pena. Em primeiro lugar, porque Belmiro é o nosso maior e melhor empresário. Em segundo, porque uma acção tão ousada deveria ser recompensada. Em terceiro, porque prestou um serviço ao país e à própria PT. Em quarto, porque depois de não ter conseguido afirmar-se na banca, nem nos «media», nem controlar a Portucel, bem que merecia poder juntar o maior grupo português à maior empresa nacional. Mas as coisas são o que são. Aguardemos os próximos capítulos.

P.S. - O Santander é um dos grandes parceiros bancários da PT, com acesso a muita informação sigilosa da operadora. Mesmo assim, aceitou bancar a operação da Sonae. Não sei se há uma ética bancária. Mas se existe, o Santander fica muito bem na fotografia.