segunda-feira, abril 10, 2006

Pois...

"A inevitável derrota"
Eduardo Prado Coelho
Público - 10/04/2006

«A carreira de Sporting tem sido bastante impressionante. A partir de uma equipa desmoralizada, e sem consistência, herança de um Peseiro a que Dias da Cunha estava afeiçoado, Paulo Bento chegou de um modo um pouco inesperado. Era uma solução que vinha de dentro, e parecia uma daquelas soluções de recurso que não têm futuro. Uma espécie de "o programa continua dentro de momentos. Contudo, Paulo Bento começou por revelar-se no modo de falar. Não afirmou que ia ganhar tudo, como fizera Peseiro, no seu estilo de Mourinho frustrado. Paulo Bento é um pragmático, um positivista: para ele os factos são uma realidade tangível, um pão é um pão e um queijo é um queijo, e os jogadores do Sporting são os jogadores que o Sporting tem. Lançou alguns, como Nani, coqueluche da massa associativa, Tentou outros, como André Marques por exemplo, mas logo se apercebeu de que um grande clube não pode ser um jardim de infância.
Mas a forma altamente determinada, a voz segura, o discurso bem articulado, uma certa filosofia da vida mostraram que temos homem. Sem o lado intelectual de Boloni e os seus cadernos de apontamentos. Sem o popularismo sem garra de José Peseiro, num equilíbrio entre a capacidade de pensar o jogo e de estar no terreno, quase dentro do campo, a sentir como os jogadores. E foi implacável nos aspectos de disciplina.
Encontrou um Ricardo inseguro que pouco a pouco foi recuperando. E criou uma defesa sem golos sofridos semana após semana. Uma defesa onde Polga ou Tonel e Abel justificaram a sua contratação. Mas o ataque parece algo à deriva. Douala perdeu a forma depois de a ter tido. Certos nomes como Deivid, Romagnoli ou Koke, ainda não argumentaram o suficiente para nos surpreenderem e convencerem. O Liedson é de facto um jogador extraordinário, mas o ataque do Sporting vive demasiado em torno das suas capacidades. Se Liedson não está feliz, a equipa fica infeliz. E Sá Pinto é um prodígio de energia e entusiasmo, mas a idade não perdoa e ele compensa em denodo certa escassez de virtudes. Por outro lado, depois de um arranque impressionante, José Moutinho, um jogador notável, tem tido altos e baixos. É a vida, como diria o nosso engenheiro, numa dessas exclamações que não dizem nada e afinal dizem tudo. Carlos Martins joga brilhantemente um em cinco jogos. Nunca se sabe qual é o jogo que escolheu para ser brilhante, mas quando é, é mesmo.
O que se passou sábado foi talvez um excesso de expectativas que se confirmava nas multidões mais ou menos mascaradas de sportinguistas eufóricos. De certo modo, todos sabiam que era um jogo difícil, mas ninguém acreditava na derrota. Amigos meus seguiram aquele princípio irracional mas reconfortante de que a sua presença podia dar azar ao Sporting. Eu também pensava isso no mau tempo das derrotas, mas tive a esperança de que a maldição tivesse sido ultrapassada. Ainda tentei vários truques para sacrifício do olhar, ir à casa de banho e ficar de ouvido à escuta, passear pelos corredores, ou tomar um café. Nada deu resultado. Logo no estilo esgarçado dos primeiros minutos, e no meio de uma arbitragem de um "cartocompulsivo", se percebeu que o Sporting não encontrava o fio ao jogo e estava um bocado perdido. Estas coisas sentem-se, e também se pressentem. A partir de certa altura já sabia que seríamos derrotados, que sairíamos todos acrabunhados. Augusto Santos Silva, que é um homem de equilíbrios parlamentares, acusou as cores escuras com que eu estava vestido de manifesto mau augúrio. Talvez tenha razão, mas para o caso tanto faz. Como diria a minha avó paterna, viemos ao mundo para sofrer. Com o Sporting, é claro.»