quarta-feira, abril 26, 2006

Mais um toque de genialidade...

"Óculos à Onassis"

Jorge Fiel
"Expresso" - 22/04/2006


"RUI Abecassis, um dos responsáveis do ICEP em Nova Iorque, começou este ano a usar uns impressivos óculos de massa à Onassis. Rui vê tão bem como um falcão. Os óculos, que lhe custaram um dinheirão (creio que são Armani), não têm graduação. São um instrumento de trabalho, um acessório para evitar que o seu rosto, correcto mas vulgar, continuasse a naufragar no mar das apresentações, apertos de mão e trocas de cartões de visita e piadas rápidas, que sublinham os milhares de eventos de negócios que sacodem o dia-a-dia da Big Apple.
Os óculos à Onassis foram o passaporte para a cara de Rui Abecassis emergir do anonimato. Desde que os usa, o homem do ICEP em Nova Iorque passou a ouvir mais vezes o «Sim, claro que me lembro da sua cara!» em vez do tradicional e desanimador «Desculpe, mas não estou a lembrar-me de onde o conheço…».

A vedeta da recente exposição Big Bang, no Centro Pompidou, foi a instalação «Attempt to raise hell», do americano Dennis Oppenheim, que consiste num boneco, vestido de preto e sentado num pequeno palco, que periodicamente dá uma sonora cabeçada num sino de bronze suspenso à sua frente.

O barulho ensurdecedor - não é por acaso que a obra se chama tentativa de criar o inferno… - propagava-se por todo o andar do Beaubourg, atraindo os curiosos, que demoravam mais tempo com a instalação de Oppenheim, a tentar perceber como é que o sino era tocado, do que a apreciar e decifrar as obras maiores de Magritte, Bacon, Mondrian ou Pollock que constavam desta exposição sobre a destruição e a criação na arte do século XX.

Os óculos à Onassis melhoraram a imagem e reconhecimento de Rui Abecassis, mas não evitam que os jornais nova-iorquinos continuem a mandar vendedores de publicidade (em vez de jornalistas) aos eventos que ele organiza.

O facto da instalação de Oppenheim atrair mais olhares e atenções que «Petite fille sautant à la corde» não faz de «Attempt to raise hell» uma obra melhor do que aquela estátua em que Picasso nos conseguiu transmitir a sensação de que a figura quer escapar da força de gravidade terrena.

Sócrates usa óculos à Onassis (vide «jogging» matinal da baía de Luanda) e está sempre a tocar o sino (vide Simplex, PRACE, pacotes de investimento estrangeiro). Mas a inflação está descontrolada, os juros sobem, a despesa pública derrapa, não se vê meios da economia melhorar, o prudente Constâncio está pessimista e o gigantesco esforço de rapar o tacho da equipa fiscal não vai chegar para salvar o Orçamento 2006.
Não basta ter boa imagem, agitar-se como uma varinha mágica e garantir a Stanley Ho que Portugal não está em crise, para que a crise desapareça. O primeiro-ministro é um bom político, mas não é o Luís de Matos."