sexta-feira, janeiro 06, 2006

Eis porque ela seria uma excelente candidata

UMA CANDIDATURA INOVADORA
Helena Roseta


"Até ao próximo dia 20 de Janeiro, o PÚBLICO editará 12 textos de opinião onde os autores assumem o apoio claro a um candidato, inserindo-os nas páginas de cobertura de campanha para a eleição do Presidente da República. O critério foi o de atribuir dois textos a cada candidatura. Estes textos serão seleccionados pelos serviços de candidatura dos seis candidatos: Cavaco Silva, Francisco Louçã, Garcia Pereira, Jerónimo de Sousa, Manuel Alegre e Mário Soares. A sua ordem de publicação é aleatória."

«1.A candidatura de Manuel Alegre é o facto político mais inovador que aconteceu em Portugal nos últimos anos. Pela sua génese, pela maneira como se tem desenvolvido, pelo tipo de apoios que tem recebido, pela expectativa que criou e pelas altas probabilidades de vir a obter um excelente resultado. Manuel Alegre é um homem livre, independente, corajoso e com um percurso de vida notável. Mas é também poeta, qualidade que lhe dá uma especial capacidade para captar os sinais dos tempos e compreender as motivações mais fundas das pessoas. Em tempos difíceis como os que vivemos, essa capacidade de ver mais longe é talvez a mais urgente.
Todo o processo da sua candidatura representa uma pedrada no charco. As pessoas estão fartas de ter de suportar as consequências de decisões que foram tomadas sem as ouvirem. E nenhum dos outros cinco candidatos acrescenta algo de realmente novo ao debate político em Portugal.
2. Cavaco Silva é um homem do passado, que quer fazer em Belém uma "cooperação estratégica" com o Governo, mas que não tem um sentido da história e do futuro. O modelo de desenvolvimento que defendeu e aplicou em Portugal está esgotado. O próprio reconheceu aliás, honra lhe seja feita, em debate com Manuel Alegre, que os seus governos se tinham preocupado mais com a quantidade do que com a qualidade. O simples facto de dissociar quantidade e qualidade mostra que ainda não mudou de paradigma. Não haverá quantidade (ou seja crescimento) se não se apostar ao mesmo tempo na qualidade. No mundo global e competitivo que é o nosso, não haverá uma sem a outra.
Mário Soares também não tem nada de novo a dizer. Passou os debates televisivos a atacar os adversários, por vezes de forma grosseira, o que lhe fica muito mal. Não me lembro de nenhuma eleição em Portugal ser ganha por quem tenha baseado toda a sua estratégia na demolição do adversário. Foi o grande erro de Sá Carneiro contra Eanes, em 1980. Soares também não tem hoje a mesma aceitação e simpatia que já teve. Não se pode beber duas vezes a mesma água do rio, disse Heráclito. A ideia de que Soares "já lá esteve" e não tinha realmente necessidade de voltar é muito generalizada.
Jerónimo, Louçã e Garcia Pereira são candidaturas de protesto, legítimas, evidentemente, mas que não têm Belém como objectivo. Ligadas aos respectivos partidos, não têm qualquer propósito de alargamento e abertura a outros eleitorados. Tomara que tivessem. Com o sistema eleitoral de duas voltas, todos os votos que cada uma delas conseguir na primeira volta podem contribuir para garantir uma segunda volta.
3. Houve muita gente que não acreditou que a candidatura de Alegre fosse capaz sequer de existir, quanto mais de se organizar e bater de igual para igual com candidaturas que têm outras máquinas e outros meios. Na falta de um aparelho logístico, usamos todas as potencialidades da Internet, dos telemóveis e do correio electrónico. Na falta de dinheiro, pedimos um empréstimo, angariamos fundos com obras de arte dadas e enchemos as sedes de voluntários. Fomos os únicos que cumprimos as formalidades legais sem o apoio de nenhum partido. Temos sedes abertas em todo o país, e em muitos distritos mais do que uma. Juntamos gente das mais diversas proveniências, de várias esquerdas, de vários passados e muitos estreantes. Acreditamos no poder dos cidadãos. E o que temos constatado é que as pessoas têm criatividade, vontade de participar e coisas para dizer. No nosso portal e nos nossos blogues, é possível comentar e criticar. Não há aqui hierarquias, disciplinas partidárias ou qualquer outro tipo de tutelas. Tudo isto são traços de novas formas de intervenção política, que nos EUA têm tradição, mas em Portugal são pouco usuais.
4. Mas também nas propostas de Manuel Alegre há inovação. Sucede, aliás, um fenómeno muito estranho: alguns comentadores criticam o vazio de ideias, mas os outros candidatos, de uma forma ou outra, têm vindo a utilizar propostas que Alegre foi o primeiro a apresentar. Cavaco Silva, no debate televisivo com Soares, falou num "Pacto Económico e Social" nos mesmos e precisos termos com que Manuel Alegre o propôs no seu Contrato Presidencial. E Mário Soares apresentou como grande novidade da sua campanha a ideia de "presidências de proximidade", numa colagem óbvia à proposta de Manuel Alegre de desenvolver uma "magistratura de proximidade e exigência". Esqueceu-se foi da exigência.
5. A questão europeia é outro dos mistérios desta campanha. Em todas as suas intervenções, Alegre desenvolve este tema. Foi o único a falar da constituição económica não escrita, formada pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, juntamente com as Grandes Orientações de Política Económica, que condicionam todos os governos e limitam a construção de verdadeiras alternativas. Aqui está um tema essencial. Mas o espaço que lhe tem sido dado em entrevistas e noticiários é mínimo ou inexistente.
6. O que nos leva a colocar outra questão, que é a da forma como os media têm lidado com as candidaturas presidenciais. Ao sair do formato pré-estabelecido (bipolarização entre as candidaturas apoiadas pelos maiores partidos) a candidatura de Manuel Alegre também tem representado um desafio. Para lá de alguma desigualdade de tratamento (evidente nos estudos objectivos sobre o tempo ou o espaço atribuído às diferentes candidaturas), a candidatura de Alegre trouxe à luz do dia o desfasamento que existe entre opinião pública e opinião publicada. No final dos debates televisivos, por várias vezes Alegre foi dado como vencedor por sondagens imediatas. Os comentadores disseram quase sempre o contrário. Quem comenta os comentadores?
7. A velha maneira de fazer política ainda anda por aí. As ameaças de dirigentes do PS contra a liberdade de voto nestas presidenciais foram um dos momentos mais negros da pré-campanha. Mas os votos não têm dono, ao contrário do que ainda pensam os velhos políticos. A eleição presidencial é a única eleição unipessoal. Tem de ser ela própria um acto de liberdade. E uma oportunidade histórica de demonstrarmos desde já o poder dos cidadãos para mudar a política. Pelo que vemos e sentimos no terreno e pela transversalidade desta candidatura, estou convencida de que iremos assistir a resultados surpreendentes. Sejam eles quais forem, ficaremos a dever à coragem de Manuel Alegre o ter sido capaz de acrescentar liberdade à liberdade de todos nós. E isso é já, por si só, uma enorme vitória.

Membro da Comissão Política da candidatura de Manuel Alegre»