Finalmente um artigo sobre o aeroporto
"Rio Frio: o novo aeroporto, em Lisboa"
S. Pompeu Santos
Público - 23/12/2005
«Um aspecto marcante no processo de decisão da construção do aeroporto da Ota é, sem dúvida, a sua rejeição pela opinião pública portuguesa, bem evidenciada em várias sondagens realizadas. Ainda recentemente, no Barómetro organizado por este jornal, com a pergunta: "Concorda com o aeroporto da Ota?", a percentagem do "não" foi de 73 por cento.Porquê esta reacção? Não é porque as pessoas morram de amores pelo Aeroporto da Portela. Sobretudo os que viajam de avião (e hoje em dia são já muitos) sabem que o Aeroporto da Portela está longe de responder aos padrões de serviço de um bom aeroporto. É acanhado, desconfortável, confuso; uma autêntica manta de retalhos.Além disso, as pessoas vão tomando consciência de que a Portela não é, nos tempos que correm, sítio para um aeroporto. A poluição sonora, o cheiro quando o vento sopra em certas direcções e o risco pelo contínuo sobrevoo da cidade pelos aviões são inaceitáveis. Felizmente nunca houve ali um acidente grave. Depois, há o problema de estar limitado na sua capacidade, que, apesar das obras já anunciadas, ficará esgotada no máximo em 10 anos. É certo que a Portela tem os seus defensores, mas isto acontece, fundamentalmente, porque não estão satisfeitos com a opção da Ota. Então, o que é que se passa? A resposta é fácil: um aeroporto na Ota tem defeitos graves, e a generalidade das pessoas já se apercebeu.A Ota fica fora da Área Metropolitana de Lisboa, a mais de 50 km do centro da cidade. É uma distância fora do razoável, até porque Lisboa é uma cidade média, à escala europeia. Na Europa, com raras excepções, os aeroportos encontram-se a distâncias da ordem de 15-25 km do centro das cidades. É claro que Lisboa vai perder competitividade no contexto internacional, sobretudo, no turismo. Além disso, com a deslocação para norte, o aeroporto de Lisboa vai prejudicar o aeroporto do Porto, como se vêm queixando, com grande fervor, as gentes do Norte.E os problemas não se ficam por aqui. A zona de implantação do aeroporto é muito húmida (um autêntico charco no Inverno), pelo que a sua construção obriga a construir um enorme dique e a aterrar uma ribeira. Além disso, o terreno é muito irregular (tem desníveis de quase 60 metros), obrigando a escavar quase 50 milhões de metros cúbicos de terras (uma monstruosidade) e a construir um aterro com mais de 10 metros de altura, grande parte sobre lodos. Tudo isto se vai reflectir em elevados custos e graves prejuízos ambientais. Mesmo assim, o local é acanhado e não permite uma futura expansão.E quanto às acessibilidades? Um aeroporto na Ota vai provocar um aumento drástico do tráfego na auto-estrada A1, no já saturado troço Lisboa-Carregado. Muita gente vai perder o avião! Fala-se agora em construir uma nova auto-estrada entre a A1 e a CREL, mas uma obra dessas será caríssima e terá graves problemas ambientais. É incrível como se decide a localização de um aeroporto e só depois se pensa nos acessos. Fala-se também em estabelecer uma ligação ferroviária tipo "vai-vem" através da linha do Norte. Mas um "vai-vem" precisa de vias dedicadas e já não cabem mais vias entre Alverca e V. Franca; só com muitos quilómetros de túneis. Também não existe ainda uma ideia clara quanto à ligação do aeroporto à futura rede de alta velocidade (TGV).Assim sendo, parece que o único argumento a favor da Ota é o facto de não haver alternativas. Mas não é verdade, existe uma alternativa e muito mais favorável: Rio Frio. Rio Frio fica dentro da Área Metropolitana de Lisboa, na margem Sul do Tejo, junto à auto-estrada A12, a pouco mais de 20 km de Lisboa pela futura ponte Chelas-Barreiro. Além disso, Rio Frio é uma zona ampla, plana e de fácil acesso a todo o país. Os terrenos são bons para a construção e o aeroporto terá facilidade de expansão. Na ponte Chelas-Barreiro seria também instalado o TGV para Madrid e para o Porto, fazendo-se a bifurcação da linha em Rio Frio, debaixo do aeroporto, onde haveria uma estação. Nessa linha circularia ainda o "vai-vem" para Lisboa que faria a viagem em 10 minutos. Além disso, como a deslocação do aeroporto é para leste, não irá prejudicar os aeroportos de Porto e Faro. E será atraente para os espanhóis!Mas, talvez se lembrem do que aconteceu em 1999. Através de um despacho conjunto dos ministros do Ambiente e das Obras Públicas de 5 de Julho, o Governo de então vetou a construção do aeroporto em Rio Frio, invocando que iria criar aí graves prejuízos ambientais. Então, e na Ota, não são graves? É de notar que em todos os estudos até agora realizados com vista à escolha do local do novo aeroporto (cinco estudos, desde 1970), Rio Frio ficou sempre em primeiro lugar. O último data de Agosto de 1999, apenas um mês após a decisão do Governo de vetar Rio Frio, e foi elaborado pelo conceituado consultor internacional ADP-Aeroports de Paris, a pedido da Naer, empresa estatal que está encarregue do novo aeroporto. O relatório só agora foi tornado público, fazendo parte do pacote de relatórios incluídos nos CD distribuídos pelo Governo no mês passado.De acordo com esse relatório, foram analisadas duas localizações: Ota e Rio Frio. O estudo é muito completo (o relatório tem mais de 180 páginas), e teve por base uma análise multicritério, em que foram considerados todos os aspectos relevantes para a sustentabilidade de um grande projecto: aspectos económicos, sociais e ambientais. Os aspectos ambientais tiveram por base o Estudo Preliminar de Impacto Ambiental dos dois locais, o mesmo que serviu de base ao veto do Governo. No caso de Rio Frio foram estudadas duas opções de orientação das pistas: sul/norte (S/N) e oeste/leste (W/E). Apesar de já existir o veto do Governo, o estudo considera as três hipóteses viáveis e chega à seguinte classificação: 1.º, Rio Frio W/E, 718 pontos; 2.º, Rio Frio N/S, 675 pontos; e 3.º, Ota, 616 pontos. Também no que se refere aos custos de construção (para as duas fases previstas) o resultado do estudo é claro: Rio Frio W/E, 1600 milhões de euros; Rio Frio S/N, 1900 milhões de euros; e Ota, 2000 milhões de euros, portanto mais 25 por cento do custo de Rio Frio W/E.Contudo, com as dificuldades do local, os custos de construção do aeroporto da Ota vão disparar. As últimas estimativas apontam já para custos superiores a 3000 milhões de euros. E não se diga que isso não tem importância, lá porque o Estado só vai pagar 10 por cento. É claro que os privados não vão fazer caridade e nós, como utilizadores, iremos pagar tanto mais quanto mais caro ficar.Aos custos de construção do aeroporto haverá ainda que somar os custos das novas acessibilidades, as tais que não estão ainda resolvidas. Não será exagero dizer que, só em custos directos, a opção Ota vai custar mais de 2000 milhões de euros a mais que a opção Rio Frio. E, claro, o que se gastar a mais com o aeroporto vai faltar para outras coisas. Mas os custos para a economia geral do país serão ainda bem mais gravosos.É incompreensível que num país com escassos recursos, como o nosso, haja um veto político a impedir que seja adoptada a melhor solução. Ainda há tempo para emendar o erro. É o nosso futuro e o dos vindouros que está em causa."
S. Pompeu Santos
Público - 23/12/2005
«Um aspecto marcante no processo de decisão da construção do aeroporto da Ota é, sem dúvida, a sua rejeição pela opinião pública portuguesa, bem evidenciada em várias sondagens realizadas. Ainda recentemente, no Barómetro organizado por este jornal, com a pergunta: "Concorda com o aeroporto da Ota?", a percentagem do "não" foi de 73 por cento.Porquê esta reacção? Não é porque as pessoas morram de amores pelo Aeroporto da Portela. Sobretudo os que viajam de avião (e hoje em dia são já muitos) sabem que o Aeroporto da Portela está longe de responder aos padrões de serviço de um bom aeroporto. É acanhado, desconfortável, confuso; uma autêntica manta de retalhos.Além disso, as pessoas vão tomando consciência de que a Portela não é, nos tempos que correm, sítio para um aeroporto. A poluição sonora, o cheiro quando o vento sopra em certas direcções e o risco pelo contínuo sobrevoo da cidade pelos aviões são inaceitáveis. Felizmente nunca houve ali um acidente grave. Depois, há o problema de estar limitado na sua capacidade, que, apesar das obras já anunciadas, ficará esgotada no máximo em 10 anos. É certo que a Portela tem os seus defensores, mas isto acontece, fundamentalmente, porque não estão satisfeitos com a opção da Ota. Então, o que é que se passa? A resposta é fácil: um aeroporto na Ota tem defeitos graves, e a generalidade das pessoas já se apercebeu.A Ota fica fora da Área Metropolitana de Lisboa, a mais de 50 km do centro da cidade. É uma distância fora do razoável, até porque Lisboa é uma cidade média, à escala europeia. Na Europa, com raras excepções, os aeroportos encontram-se a distâncias da ordem de 15-25 km do centro das cidades. É claro que Lisboa vai perder competitividade no contexto internacional, sobretudo, no turismo. Além disso, com a deslocação para norte, o aeroporto de Lisboa vai prejudicar o aeroporto do Porto, como se vêm queixando, com grande fervor, as gentes do Norte.E os problemas não se ficam por aqui. A zona de implantação do aeroporto é muito húmida (um autêntico charco no Inverno), pelo que a sua construção obriga a construir um enorme dique e a aterrar uma ribeira. Além disso, o terreno é muito irregular (tem desníveis de quase 60 metros), obrigando a escavar quase 50 milhões de metros cúbicos de terras (uma monstruosidade) e a construir um aterro com mais de 10 metros de altura, grande parte sobre lodos. Tudo isto se vai reflectir em elevados custos e graves prejuízos ambientais. Mesmo assim, o local é acanhado e não permite uma futura expansão.E quanto às acessibilidades? Um aeroporto na Ota vai provocar um aumento drástico do tráfego na auto-estrada A1, no já saturado troço Lisboa-Carregado. Muita gente vai perder o avião! Fala-se agora em construir uma nova auto-estrada entre a A1 e a CREL, mas uma obra dessas será caríssima e terá graves problemas ambientais. É incrível como se decide a localização de um aeroporto e só depois se pensa nos acessos. Fala-se também em estabelecer uma ligação ferroviária tipo "vai-vem" através da linha do Norte. Mas um "vai-vem" precisa de vias dedicadas e já não cabem mais vias entre Alverca e V. Franca; só com muitos quilómetros de túneis. Também não existe ainda uma ideia clara quanto à ligação do aeroporto à futura rede de alta velocidade (TGV).Assim sendo, parece que o único argumento a favor da Ota é o facto de não haver alternativas. Mas não é verdade, existe uma alternativa e muito mais favorável: Rio Frio. Rio Frio fica dentro da Área Metropolitana de Lisboa, na margem Sul do Tejo, junto à auto-estrada A12, a pouco mais de 20 km de Lisboa pela futura ponte Chelas-Barreiro. Além disso, Rio Frio é uma zona ampla, plana e de fácil acesso a todo o país. Os terrenos são bons para a construção e o aeroporto terá facilidade de expansão. Na ponte Chelas-Barreiro seria também instalado o TGV para Madrid e para o Porto, fazendo-se a bifurcação da linha em Rio Frio, debaixo do aeroporto, onde haveria uma estação. Nessa linha circularia ainda o "vai-vem" para Lisboa que faria a viagem em 10 minutos. Além disso, como a deslocação do aeroporto é para leste, não irá prejudicar os aeroportos de Porto e Faro. E será atraente para os espanhóis!Mas, talvez se lembrem do que aconteceu em 1999. Através de um despacho conjunto dos ministros do Ambiente e das Obras Públicas de 5 de Julho, o Governo de então vetou a construção do aeroporto em Rio Frio, invocando que iria criar aí graves prejuízos ambientais. Então, e na Ota, não são graves? É de notar que em todos os estudos até agora realizados com vista à escolha do local do novo aeroporto (cinco estudos, desde 1970), Rio Frio ficou sempre em primeiro lugar. O último data de Agosto de 1999, apenas um mês após a decisão do Governo de vetar Rio Frio, e foi elaborado pelo conceituado consultor internacional ADP-Aeroports de Paris, a pedido da Naer, empresa estatal que está encarregue do novo aeroporto. O relatório só agora foi tornado público, fazendo parte do pacote de relatórios incluídos nos CD distribuídos pelo Governo no mês passado.De acordo com esse relatório, foram analisadas duas localizações: Ota e Rio Frio. O estudo é muito completo (o relatório tem mais de 180 páginas), e teve por base uma análise multicritério, em que foram considerados todos os aspectos relevantes para a sustentabilidade de um grande projecto: aspectos económicos, sociais e ambientais. Os aspectos ambientais tiveram por base o Estudo Preliminar de Impacto Ambiental dos dois locais, o mesmo que serviu de base ao veto do Governo. No caso de Rio Frio foram estudadas duas opções de orientação das pistas: sul/norte (S/N) e oeste/leste (W/E). Apesar de já existir o veto do Governo, o estudo considera as três hipóteses viáveis e chega à seguinte classificação: 1.º, Rio Frio W/E, 718 pontos; 2.º, Rio Frio N/S, 675 pontos; e 3.º, Ota, 616 pontos. Também no que se refere aos custos de construção (para as duas fases previstas) o resultado do estudo é claro: Rio Frio W/E, 1600 milhões de euros; Rio Frio S/N, 1900 milhões de euros; e Ota, 2000 milhões de euros, portanto mais 25 por cento do custo de Rio Frio W/E.Contudo, com as dificuldades do local, os custos de construção do aeroporto da Ota vão disparar. As últimas estimativas apontam já para custos superiores a 3000 milhões de euros. E não se diga que isso não tem importância, lá porque o Estado só vai pagar 10 por cento. É claro que os privados não vão fazer caridade e nós, como utilizadores, iremos pagar tanto mais quanto mais caro ficar.Aos custos de construção do aeroporto haverá ainda que somar os custos das novas acessibilidades, as tais que não estão ainda resolvidas. Não será exagero dizer que, só em custos directos, a opção Ota vai custar mais de 2000 milhões de euros a mais que a opção Rio Frio. E, claro, o que se gastar a mais com o aeroporto vai faltar para outras coisas. Mas os custos para a economia geral do país serão ainda bem mais gravosos.É incompreensível que num país com escassos recursos, como o nosso, haja um veto político a impedir que seja adoptada a melhor solução. Ainda há tempo para emendar o erro. É o nosso futuro e o dos vindouros que está em causa."
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