Olha este, quem diria
"Tocqueville em Madrid"
João Carlos Espada
Expresso - 17/12/2005
Como, por coincidência, recordei aqui no sábado passado, Rousseau não aceitava o indivíduo enraizado em qualquer particularismo: os seus interesses privados é a sua família, o seu negócio ou a sua igreja - impedi-lo-iam de se tornar um cidadão totalmente dedicado à vontade geral. Esta hostilidade contra todos os «attachments» particulares, para usar a expressão de Michael Oakeshott, esteve na origem do jacobinismo e do comunismo.
Tocqueville e John Stuart Mill viram o perigo totalitário contido nesta concepção da vontade geral. No famoso ensaio On Liberty, John Stuart Mill argumentou que o principal perigo das sociedades modernas na era democrática era a tirania da maioria sobre as minorias e sobre o indivíduo. Isso levou-o a estabelecer o célebre princípio muito simples: que a única justificação para a interferência da sociedade com o indivíduo devia ser a prevenção de danos a terceiros. Podemos descrever esta visão de Mill sobre a liberdade como liberdade negativa ou como ausência de coerção por terceiros. Tocqueville estava seguramente ao lado de Stuart Mill na defesa desta liberdade contra as ameaças provenientes de um entendimento rousseauista da liberdade como soberania colectiva. Mas Tocqueville viu algo mais, a que Stuart Mill, pelo menos, não prestou tanta atenção.
Tocqueville viu que a liberdade ficaria muito frágil se ficasse apenas entregue à protecção de indivíduos isolados ou atomizados, indivíduos dedicados a multiplicar «experiências de vida», como lhes chamou Stuart Mill. Tocqueville queria proteger a liberdade dos indivíduos, mas não apenas daqueles que querem fazer «experiências de vida». Queria proteger a liberdade de indivíduos concretos que estão enraizados nos seus próprios modos de vida, nas suas famílias, actividades profissionais, igrejas e outras instituições descentralizadas - não directamente desenhadas ou dirigidas pelo desígnio de uma autoridade política.
Viu essas instituições com uma actividade vibrante na América - aquilo a que hoje chamamos sociedade civil ou instituições intermédias. E Tocqueville atribuiu à arte de associação dos americanos - bem como à sua religiosidade cristã - a principal barreira contra o despotismo na era democrática.
Neste sentido, podemos dizer que Tocqueville viu a liberdade essencialmente como dispersão do poder. Na divisão da autoridade e na multiplicação das suas fontes, viu as mais duradouras condições da liberdade."
João Carlos Espada
Expresso - 17/12/2005
"Decorreu esta semana em Madrid, por iniciativa do Professor Eduardo Nolla e da FAES (Fundacion para el Analisis y los Estudios Socials), uma conferência comemorativa do bicentenário do nascimento de Alexis de Tocqueville. Entre os temas abordados esteve a concepção de liberdade de Tocqueville, que deve ser distinguida claramente da de Rousseau e, ainda que menos vincadamente, da de John Stuart Mill.
Como, por coincidência, recordei aqui no sábado passado, Rousseau não aceitava o indivíduo enraizado em qualquer particularismo: os seus interesses privados é a sua família, o seu negócio ou a sua igreja - impedi-lo-iam de se tornar um cidadão totalmente dedicado à vontade geral. Esta hostilidade contra todos os «attachments» particulares, para usar a expressão de Michael Oakeshott, esteve na origem do jacobinismo e do comunismo.
Tocqueville e John Stuart Mill viram o perigo totalitário contido nesta concepção da vontade geral. No famoso ensaio On Liberty, John Stuart Mill argumentou que o principal perigo das sociedades modernas na era democrática era a tirania da maioria sobre as minorias e sobre o indivíduo. Isso levou-o a estabelecer o célebre princípio muito simples: que a única justificação para a interferência da sociedade com o indivíduo devia ser a prevenção de danos a terceiros. Podemos descrever esta visão de Mill sobre a liberdade como liberdade negativa ou como ausência de coerção por terceiros. Tocqueville estava seguramente ao lado de Stuart Mill na defesa desta liberdade contra as ameaças provenientes de um entendimento rousseauista da liberdade como soberania colectiva. Mas Tocqueville viu algo mais, a que Stuart Mill, pelo menos, não prestou tanta atenção.
Tocqueville viu que a liberdade ficaria muito frágil se ficasse apenas entregue à protecção de indivíduos isolados ou atomizados, indivíduos dedicados a multiplicar «experiências de vida», como lhes chamou Stuart Mill. Tocqueville queria proteger a liberdade dos indivíduos, mas não apenas daqueles que querem fazer «experiências de vida». Queria proteger a liberdade de indivíduos concretos que estão enraizados nos seus próprios modos de vida, nas suas famílias, actividades profissionais, igrejas e outras instituições descentralizadas - não directamente desenhadas ou dirigidas pelo desígnio de uma autoridade política.
Viu essas instituições com uma actividade vibrante na América - aquilo a que hoje chamamos sociedade civil ou instituições intermédias. E Tocqueville atribuiu à arte de associação dos americanos - bem como à sua religiosidade cristã - a principal barreira contra o despotismo na era democrática.
Neste sentido, podemos dizer que Tocqueville viu a liberdade essencialmente como dispersão do poder. Na divisão da autoridade e na multiplicação das suas fontes, viu as mais duradouras condições da liberdade."
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