terça-feira, dezembro 20, 2005

O problema é que este tem uma certa razão (para mim, claro)

"O terceiro homem"
Vasco Pulido Valente


Público - 18/12/2005

"A última sondagem que dá Cavaco 55,5 por cento do voto, Soares com 20,4 e Alegre com 12,5 fez perder a cabeça ao PS oficial e sobretudo a Manuel Alegre. Jorge Coelho, António Costa e António Vitorino vieram a púbico pedir a desistência do resto dos candidatos da esquerda e Manuel Alegre, falando ameaçadoramente em "manipulação política", apresentou uma queixa à CNE. Percebendo que o dr. Cavaco já ganhou, os maiorais do PS querem naturalmente arranjar um bode expiatório para a sua espantosa inconsciência. Contando com Guterres (como se alguém pudesse contar com esse homem) e depois com Vitorino (que prefere ganhar dinheiro) tiveram de ir no fim bater à porta de Soares. Perante o desastre, apelam agora à "unidade", não porque a achem possível, mas para amanhã nos vir dizer que por pura obstinação Alegre foi o único culpado. São um triste retrato do partido.
Posto isto, é evidente que a candidatura de Alegre não faz espécie de sentido e matou à nascença a candidatura de Soares (uma façanha que a direita agradece). Se Alegre olhasse bem para si próprio, parava de espernear e percebia que ele, sozinho, chega e sobra para desconsolar e repelir qualquer eleitorado. Aparentemente, nunca lhe ocorreu que, com 30 anos de S. Bento e Largo do Rato, não era com certeza a personagem ideal para representar a "independência" e a "cidadania". Quando hoje vocifera contra a pressão do PS sobre os militantes, lembra irresistivelmente aqueles comunistas de 1980 (ou de 89), que um belo dia descobriram com fervor e espanto as belezas da liberdade. Como esses "convertidos", Alegre também não viu o que se passava à volta dele durante a vida inteira? E porque raio o Espírito Santo o iluminou tão a propósito? Ares de Belém? Vaidade ferida? De qualquer maneira, a coisa não pega. Ainda por cima os debates mostraram o verdadeiro Alegre. Não sabe nada sobre nada. Até nem sabe ao certo o que votou ou não votou na Assembleia. Como ocupou ele a eternidade que esteve em S. Bento? Ao menos, leu? Se leu, não se nota. Sobre a "Europa", sobre o ambiente ou sobre o diabo, este "renovador" serve sempre a retórica vaga e vácua de uma "esquerda" esquecida. Se Jorge Coelho, Costa e Vitorino são o retrato do partido, Alegre é o deputado típico - a ave canora, insubstancial e gorjeadora. E, olhando para ele na televisão, uma pessoa não pensa em o levar a Belém, pensa com horror que ele e centenas como ele continuam em S. Bento. A "renovação" de Alegre devia começar pela sua expeditiva reforma."