quarta-feira, abril 26, 2006

Tirou-me as palavras da boca, hehehehe!

"Estava-se mesmo a ver"

Miguel Esteves Cardoso
"Expresso" - 22/04/2006


"Às vezes parece que o maior terror dos portugueses é darem a impressão de estarem a tomar conhecimento dalguma coisa. Mesmo nas situações mais banais. Faltando meia hora para a retirada da empregada bendita e continuando a faltar uma camisa engomada para vestir, chama-se-lhe com sonsice a atenção: «Ó Dona Manuela, por acaso não me fazia o enorme favor de me passar uma camisa qualquer?» Mas ela, em vez de se fingir surpreendida, para disfarçar a incúria de deixar o patrão em tronco nu, prefere sempre fazer-se sabedora e informadíssima acerca do assunto. E vai logo, muito fresca: «Por acaso já tinha reparado que o senhor não tinha camisas passadas...»

E alonga-se cruelmente na demonstração de eu não lhe estar a ensinar nada: «Quando fui pendurar um casaco, lembrei-me de ir ver o camiseiro. E estava vazio... Até achei estranho, mas pensei que talvez a senhora as tivesse levado... E pensei assim para mim: o melhor é ir passar uma camisa do senhor, porque ele pode precisar. Só que, depois, com as pressas, esqueci-me... Deixe lá ver a camisa que eu passo-lha num instantinho!»

Esta estranha preocupação de simular omnisciência vai da área doméstica à académica. Recomenda-se a um aluno ou colega um livro acabado de sair de um autor desconhecido e ele assegura imediatamente: «Sim, sim... já tinha lido uma referência e estive quase a encomendá-lo... parece que é muito bom, não é?» Se o homem prevenido vale por dois, o português vale por mil porque, mesmo quando o apanham desprevenido, faz questão de «desdesprevenir-se» instantaneamente.

Poderá parecer que tal fobia à tomada de conhecimento traduz um certo ódio à aprendizagem em geral. Mas não. Quando muito, atrapalha o processo. Diz-se ao amigo: «Já ouviste o último disco dos Chorizo Omelette?» E ele até quer saber como se chama e como é - não quer é fazer figura de parvo. E daí que responda: «Já ouvi, já - então não! Mas olha, vê tu que escrevi o nome num bloco que eu tenho ao pé do computador e... como é que é que se chama?»
Quando se presta uma informação a um português, ele informa-se sub-repticiamente. Recusa-se a ficar atolado na ignorância. Tanto mais que tem sempre a amabilidade de nos dar os parabéns: «Pois claro! É isso, é... Tens razão! É esse o nome do último disco dos Chorizo Omelette! Estava farto de saber, só que, pronto, já sabes como é... um gajo está em casa e tal, na maior, mas toca o telefone, mais os miúdos e o cão, pá...»

Quando alguém ouve ou lê uma coisa que se tenha escrito, o elogio é invariavelmente dizerem-nos que era aquilo mesmo que tinham pensado. Passam-se meses a observar e a escrevinhar e o leitor agradecido não se contém: «É incrível como você pôs em palavras coisas que eu tinha pensado já há muito tempo...!» Fica-se sempre com uma sensaçãozinha de ladroagem. E um eco indesejado daquela cantilena horrenda que asseverava: «Só nós dois é que sabemos.»

A atitude epistemológica portuguesa resume-se da seguinte maneira: «eu sei tudo, mas é tanta coisa que a certa altura esqueço-me completamente. Como é que era aquilo? Tu, em contrapartida, sabes muito mas não tanto como eu, atenção. Tens é uma memória do caraças.» Anseia-se por aquelas duas palavras que não envergonham as outras raças e que tantas vezes conduzem ao esclarecimento: «não sei». Ou três: «não fazia ideia». Mas em Portugal, fora as repartições públicas, isso não existe. E mesmo nas repartições públicas é mais «Eu sei mas não lhe digo». Vivemos no império do «eu já soube...»; do «está na ponta da língua...»; do «eu tinha a obrigação de me lembrar mas, sabe, é tanta coisa e a cabeça já não dá para o que dava...»

Ser português é fingir que se sabe tudo mas querendo saber umas coisinhas ao mesmo tempo. Ficar surpreendido é dar parte fraca, pelo que a aprendizagem tem de fazer-se de uma posição de força, um bocado bruta até. A atitude dos portugueses perante uma novidade interessante é mostrar fastio e condescendência. A formulação típica é: «Olhe, não me está a dar novidade nenhuma, que eu isso já estava farto de saber... e, aliás, estive mesmo para lhe chamar a atenção precisamente para isso, só que faltava-me uns elementos, não sei se está a ver...»

O facto desta pose de omnisciência não enganar ninguém só a torna mais incompreensível e encantadora."

Mais um toque de genialidade...

"Óculos à Onassis"

Jorge Fiel
"Expresso" - 22/04/2006


"RUI Abecassis, um dos responsáveis do ICEP em Nova Iorque, começou este ano a usar uns impressivos óculos de massa à Onassis. Rui vê tão bem como um falcão. Os óculos, que lhe custaram um dinheirão (creio que são Armani), não têm graduação. São um instrumento de trabalho, um acessório para evitar que o seu rosto, correcto mas vulgar, continuasse a naufragar no mar das apresentações, apertos de mão e trocas de cartões de visita e piadas rápidas, que sublinham os milhares de eventos de negócios que sacodem o dia-a-dia da Big Apple.
Os óculos à Onassis foram o passaporte para a cara de Rui Abecassis emergir do anonimato. Desde que os usa, o homem do ICEP em Nova Iorque passou a ouvir mais vezes o «Sim, claro que me lembro da sua cara!» em vez do tradicional e desanimador «Desculpe, mas não estou a lembrar-me de onde o conheço…».

A vedeta da recente exposição Big Bang, no Centro Pompidou, foi a instalação «Attempt to raise hell», do americano Dennis Oppenheim, que consiste num boneco, vestido de preto e sentado num pequeno palco, que periodicamente dá uma sonora cabeçada num sino de bronze suspenso à sua frente.

O barulho ensurdecedor - não é por acaso que a obra se chama tentativa de criar o inferno… - propagava-se por todo o andar do Beaubourg, atraindo os curiosos, que demoravam mais tempo com a instalação de Oppenheim, a tentar perceber como é que o sino era tocado, do que a apreciar e decifrar as obras maiores de Magritte, Bacon, Mondrian ou Pollock que constavam desta exposição sobre a destruição e a criação na arte do século XX.

Os óculos à Onassis melhoraram a imagem e reconhecimento de Rui Abecassis, mas não evitam que os jornais nova-iorquinos continuem a mandar vendedores de publicidade (em vez de jornalistas) aos eventos que ele organiza.

O facto da instalação de Oppenheim atrair mais olhares e atenções que «Petite fille sautant à la corde» não faz de «Attempt to raise hell» uma obra melhor do que aquela estátua em que Picasso nos conseguiu transmitir a sensação de que a figura quer escapar da força de gravidade terrena.

Sócrates usa óculos à Onassis (vide «jogging» matinal da baía de Luanda) e está sempre a tocar o sino (vide Simplex, PRACE, pacotes de investimento estrangeiro). Mas a inflação está descontrolada, os juros sobem, a despesa pública derrapa, não se vê meios da economia melhorar, o prudente Constâncio está pessimista e o gigantesco esforço de rapar o tacho da equipa fiscal não vai chegar para salvar o Orçamento 2006.
Não basta ter boa imagem, agitar-se como uma varinha mágica e garantir a Stanley Ho que Portugal não está em crise, para que a crise desapareça. O primeiro-ministro é um bom político, mas não é o Luís de Matos."

E é pena...

"O dinheiro não cai do céu, meus senhores!"
Nicolau Santos
Expresso - 22/04/2006
«OS MAIS recentes dados sobre a execução orçamental são muito preocupantes e permitem concluir 1) que vai ser dificilimo cumprir o Orçamento do Estado para 2006; 2) que este Governo também não conseguiu controlar a despesa, que cresceu acima do que estava previsto no Orçamento Rectificativo de 2005.

É verdade que o OE do ano passado foi elaborado por um Governo do PSD e pelo ministro Bagão Félix - e era uma completa ficção. O OE Rectificativo, da responsabilidade do PS, tentou evitar o descalabro total. Mas o facto é que o saldo orçamental em percentagem do PIB, o saldo orçamental excluindo medidas temporárias, o saldo orçamental primário e o saldo primário ajustado do ciclo pioraram todos em 2005 quando comparados com os três anos anteriores.

O mais grave é que isto acontece num período em que os portugueses pagam cada vez mais impostos, fazendo com que a receita do Estado tenha atingido 41,9% do PIB no ano passado, contra 40,4% em 2003 e 41% em 2004.

Em contrapartida, o Estado não faz dieta. Na verdade, a despesa pública segue sem freio: 45,7% do PIB em 2003, 46,3% em 2004 e 47,9% em 2005. A despesa corrente primária, enfunada pelo crescimento automático das transferências sociais, aumentou quase 7% no ano passado, o que, mais que inadmissível, é insustentável, sobretudo quando o PIB estagnou. E, como consequência, a dívida pública passou de 58,6% para 64%, outro sinal inquietante.

Poderia haver uma esperança - a garantia de que, daqui para a frente, tudo vai ser diferente. Mas a OCDE afirma que são necessárias medidas adicionais e o Banco de Portugal lança dúvidas sobre o cumprimento das promessas do Governo. Por um lado, sublinha que o essencial do esforço de consolidação este ano estará ainda concentrado do lado da receita, que suportará cerca de dois terços do ajustamento previsto. Por outro, duvida de um conjunto de medidas anunciadas (a regra da saída de dois funcionários para entrar apenas um, o não aumento dos pagamentos sociais) e lembra que outras (reforma da administração central e revisão do sistema contributivo da função pública) só terão efeitos em 2007.

Estamos, pois, a entrar numa fase em que não bastam só discursos corajosos, é preciso começar a ver resultados. Ora o forte crescimento da despesa corrente primária no ano passado deixa inquietos todos os que consideram que os socialistas só sabem governar atirando dinheiro para os problemas - porque pensam que ele cai do céu.

2006 é, pois, um ano decisivo para a credibilidade deste Governo. Não há conjuntura externa, por pior que seja - e é, com o petróleo a caminho dos 80 dólares e o aumento das taxas de juro -, que justifique que o Estado continue a engordar, enquanto os portugueses apertam o cinto. E ninguém aceitará que o desequilíbrio orçamental venha de novo a ser resolvido à custa do aumento dos impostos - porque o problema não é cobrar mais, é gastar menos ou, por outras palavras, é inviável sustentar este modelo de funcionamento.»

vai uma passa?

"Casino Portugal"
Miguel Sousa Tavares
22/04/2006 - "Expresso"
«NÓS tínhamos uma lei contra o fumo em locais públicos que era suposto ter entrado em vigor em Janeiro passado: era uma lei sensata e justa, que defendia a liberdade de escolha dos estabelecimentos, os direitos dos fumadores e dos não-fumadores. Mas o novo governo cancelou-a, dizendo que ia estudar melhor o assunto. Logo temi o pior: uma lei mais «moderna», radical, «fracturante». Não há nada que os nossos governos mais gostem do que imaginarem-se à moda, sobretudo se isso apenas implica o trabalho de proibir e não implica diminuição das receitas do Estado. O governo não quer proibir a venda e consumo de tabaco - longe disso! - porque isso significaria um abalo nas receitas públicas. O governo não quer que as pessoas deixem de fumar - e por isso não se propõe participar ou descontar nos tratamentos e medicamentos para tal. Quer que continuem a fumar, mas longe da vista e perto do fisco, ao mesmo tempo que faz passar a ideia de que está a «defender a saúde pública». E tem o apoio das sondagens, sabendo que os portugueses adoram ver proibidos aos outros aquilo que eles não gostam ou não praticam. Aliás, é tão funda a mentalidade salazarista da proibição, que nos inquéritos de rua até há fumadores que defendem a proibição do fumo.
Suponho que, depois de ter proibido o fumo em todos os locais públicos fechados, depois de ter transformado o acto de fumar numa coisa vexatória e clandestina, o governo se prepare para atacar outros vícios privados que são casos de saúde pública. O álcool e a má alimentação, por exemplo. É escusado enumerar os malefícios clínicos e sociais do álcool: muito pior do que deixar fumar numa discoteca é servir «shots» aos miúdos que depois se vão viciar nisso ou virar suicidas na estrada. Quanto à alimentação, é sabido que o seu mau uso é a maior causa de doenças de toda a ordem e respectivas despesas sociais. Muito pior do que fumar num restaurante é comer num McDonalds. Porque não os proíbem?

O que vale é que isto é Portugal e há sempre volta a dar. Fiquei a saber, por exemplo, que a bordo do avião do primeiro-ministro para Angola, onde viajava um terço do PIB nacional - num louvável esforço ético para enriquecer ainda mais a nomenclatura da Grande Família do Futungo de Belas, à custa dos angolanos - era permitido fumar. Aqueles de nós que não conseguirem deixar o vício, têm sempre essa última esperança: serem eleitos primeiros-ministros e associarem o vício privado com a pública virtude. Outra excepção é o vício do jogo, entre nós tratado oficialmente como «investimento» e «indústria turística».
Esta semana, Stanley Ho veio a Portugal inaugurar o seu segundo Casino - o muito publicitado Casino Lisboa, fruto dos delírios da gestão camarária de Santana Lopes, que, ao resolver financiar a impossível ressurreição de uma coisa mais do que medíocre chamada «teatro de revista», conseguiu deixar a Câmara de Lisboa entalada e o Parque Mayer encalhado de vez, ao mesmo tempo que dava ao arquitecto Frank Ghery o seu melhor contrato de sempre, à Bragaparques uma fortuna e ao senhor Ho o cumprimento do «sonho antigo de dotar Lisboa de um casino». Que, como se calcula, fazia uma falta tremenda à cidade e à economia dos seus habitantes - os quais, segundo as previsões da Estoril-Sol, num ano e meio de vício, amortizarão todo o investimento e dentro de dois anos já lá estarão a deixar 125 milhões de euros de receita.

Pois, Stanley Ho - que, para todos os efeitos e dêem-se as voltas ao texto que se derem - faz fortuna à custa do vício alheio, teve o privilégio de ser recebido em audiência privada pelo Presidente da República e pelo primeiro-ministro. E, para a inauguração do seu casino, contou com o ministro da Economia e a ministra da Cultura (realmente, os casinos adoram ter uma caução cultural e lá fazem uns concertos e umas exposições de pintura, mas aquilo digamos que está para a cultura como a música militar está para a música...).
Mas, não me interpretem mal: uma das raras virtudes que eu tenho é gostar de vícios. Também gosto de jogar e de ir a casinos. Mas, se tanto, vou uma vez cada dois anos a um casino, onde adoro sentar-me na mesa do «blackjack», pedir um whisky e (oh, escândalo!, oh incongruência!)... acender um charuto. Porque conheço histórias de tragédias pessoais e familiares causadas pelos casinos, ao pé das quais o cancro de pulmão é um simples acidente vital, mantenho-me prudentemente longe. Não defendo a sua proibição porque, acima de tudo, acredito na liberdade de determinação individual, mas, por favor, o mesmo governo que me quer tratar como proscrito por ser fumador, não me venha vender um casino como investimento de interesse público! Fiquem com a receita para os cofres do Estado, mas abstenham-se de hipocrisias.

Particularmente, acontece ainda que eu não gosto da personagem Stanley Ho. Não da pessoa, que não conheço, mas da personagem. E não gosto, desde que, aqui há uns anos, no EXPRESSO, li a única entrevista que o vi dar: perguntavam-lhe, a certa altura, se ele jogava, e ele respondeu, quase ofendido, que não, nunca, jamais. A mesmíssima moral de um governo que cobra em impostos dois terços do preço de cada cigarro e finge querer que as pessoas deixem de fumar. Faz-me lembrar um poema da minha mãe: «As pessoas sensíveis não gostam de ver matar galinhas/ porém, gostam de comer galinhas».

Aqui há umas semanas, também no EXPRESSO, li um trabalho sobre Stanley Ho, onde, a certa altura, um daqueles portugueses influentes que tanto lhe devem, afirmava isto: «Portugal deve muito a Stanley Ho!». E eu fiquei a pensar se seria distracção minha ou se, de facto, não existe nenhuma indústria, nenhuma fábrica, nenhuma exploração agrícola, nenhum bairro social, nenhuma empresa tecnológica, feita em Portugal pelo senhor Ho. Se é distracção minha ou o 84º homem mais rico do mundo não doou a Portugal um hospital, um museu, uma universidade, um centro cultural, um monumento. Ou, mais modestamente, uma ala de hospital, um laboratório de universidade, um centro de terceira idade, um prémio científico ou cultural, uma sala de museu, caramba!, um jardim público! Dizem que, com o novo Casino Lisboa, mais o do Estoril, o comendador Ho terá criado 900 postos de trabalho. Mas alguém tem de trabalhar para ele para que ele possa facturar 125 milhões por ano, só em Lisboa. E, por mais ordenados que ele pague, nunca se compararão àqueles que os seus casinos arrecadam dos jogadores, todos os meses.

De modo que, desculpem este desabafo, mas às vezes penso que, ou eu estou a ficar senil, ou o mundo está de pernas para o ar: exaltam-se as virtudes hipócritas e perseguem-se os vícios honestos.

Deixem lá o cigarro na boca do Malraux! E do Bogart e, já agora, do Corto Maltese!»

sexta-feira, abril 21, 2006

A pechincha

"Audi de Santana Lopes trocado por dois Golf ecológicos"
Anabela Mendes
"Público" - Quarta, 19 de Abril de 2006

«O carro do anterior presidente da Câmara de Lisboa, Pedro Santana Lopes, um Audi topo de gama, foi trocado por dois Volkswagen Golf, a diesel e gás, dando por terminada a saga que durante alguns meses envolveu a viatura. Segundo o vereador das Obras Municipais, Pedro Feist, também responsável pela frota da autarquia, o Audi tinha sido adquirido por 99 mil euros e os dois novos carros, que deverão chegar à câmara na próxima semana, têm um valor comercial de cerca de 66 mil euros. "Desta forma, pode dizer-se que o Audi não foi um mau negócio, pois tratou-se de uma espécie de aluguer que custou, durante quatro anos, apenas 33 mil euros à autarquia", explica o responsável. De acordo com Pedro Feist, quando Santana Lopes chegou aos Paços do Concelho havia dois veículos Volvo, do tempo de João Soares, "já com muito uso e que passaram para o serviço de dois directores municipais". De acordo com aquele responsável, Santana Lopes começou por ter um Lancia, que deu muitos problemas. "Foi feita uma sondagem junto de outros municípios e mesmo junto de alguns secretários de Estado, para saber o valor e qualidade das viaturas, e na altura recebi uma proposta dos agentes da Audi, que nos cediam um carro de serviço, com cerca de seis mil quilómetros, 30 mil euros abaixo do valor de mercado", explica. O vereador diz que o recomendou "com insistência" a Santana Lopes, pois não via nenhuma razão para que "o presidente da Câmara de Lisboa não tivesse um carro daquela qualidade", atendendo ao bom preço a que era apresentado. "É lamentável que Santana Lopes tenha sido objecto de especulação e até de ofensas quando a ele não cabiam responsabilidades directas, mas a mim, que recomendei o carro", garante. O vereador relembra ainda que recebeu contactos directos de particulares interessados na compra do Audi presidencial, que remeteu sempre para as hastas públicas, onde "estranhamente esses interessados nunca apareceram a licitar a viatura".»

segunda-feira, abril 10, 2006

Pois...

"A inevitável derrota"
Eduardo Prado Coelho
Público - 10/04/2006

«A carreira de Sporting tem sido bastante impressionante. A partir de uma equipa desmoralizada, e sem consistência, herança de um Peseiro a que Dias da Cunha estava afeiçoado, Paulo Bento chegou de um modo um pouco inesperado. Era uma solução que vinha de dentro, e parecia uma daquelas soluções de recurso que não têm futuro. Uma espécie de "o programa continua dentro de momentos. Contudo, Paulo Bento começou por revelar-se no modo de falar. Não afirmou que ia ganhar tudo, como fizera Peseiro, no seu estilo de Mourinho frustrado. Paulo Bento é um pragmático, um positivista: para ele os factos são uma realidade tangível, um pão é um pão e um queijo é um queijo, e os jogadores do Sporting são os jogadores que o Sporting tem. Lançou alguns, como Nani, coqueluche da massa associativa, Tentou outros, como André Marques por exemplo, mas logo se apercebeu de que um grande clube não pode ser um jardim de infância.
Mas a forma altamente determinada, a voz segura, o discurso bem articulado, uma certa filosofia da vida mostraram que temos homem. Sem o lado intelectual de Boloni e os seus cadernos de apontamentos. Sem o popularismo sem garra de José Peseiro, num equilíbrio entre a capacidade de pensar o jogo e de estar no terreno, quase dentro do campo, a sentir como os jogadores. E foi implacável nos aspectos de disciplina.
Encontrou um Ricardo inseguro que pouco a pouco foi recuperando. E criou uma defesa sem golos sofridos semana após semana. Uma defesa onde Polga ou Tonel e Abel justificaram a sua contratação. Mas o ataque parece algo à deriva. Douala perdeu a forma depois de a ter tido. Certos nomes como Deivid, Romagnoli ou Koke, ainda não argumentaram o suficiente para nos surpreenderem e convencerem. O Liedson é de facto um jogador extraordinário, mas o ataque do Sporting vive demasiado em torno das suas capacidades. Se Liedson não está feliz, a equipa fica infeliz. E Sá Pinto é um prodígio de energia e entusiasmo, mas a idade não perdoa e ele compensa em denodo certa escassez de virtudes. Por outro lado, depois de um arranque impressionante, José Moutinho, um jogador notável, tem tido altos e baixos. É a vida, como diria o nosso engenheiro, numa dessas exclamações que não dizem nada e afinal dizem tudo. Carlos Martins joga brilhantemente um em cinco jogos. Nunca se sabe qual é o jogo que escolheu para ser brilhante, mas quando é, é mesmo.
O que se passou sábado foi talvez um excesso de expectativas que se confirmava nas multidões mais ou menos mascaradas de sportinguistas eufóricos. De certo modo, todos sabiam que era um jogo difícil, mas ninguém acreditava na derrota. Amigos meus seguiram aquele princípio irracional mas reconfortante de que a sua presença podia dar azar ao Sporting. Eu também pensava isso no mau tempo das derrotas, mas tive a esperança de que a maldição tivesse sido ultrapassada. Ainda tentei vários truques para sacrifício do olhar, ir à casa de banho e ficar de ouvido à escuta, passear pelos corredores, ou tomar um café. Nada deu resultado. Logo no estilo esgarçado dos primeiros minutos, e no meio de uma arbitragem de um "cartocompulsivo", se percebeu que o Sporting não encontrava o fio ao jogo e estava um bocado perdido. Estas coisas sentem-se, e também se pressentem. A partir de certa altura já sabia que seríamos derrotados, que sairíamos todos acrabunhados. Augusto Santos Silva, que é um homem de equilíbrios parlamentares, acusou as cores escuras com que eu estava vestido de manifesto mau augúrio. Talvez tenha razão, mas para o caso tanto faz. Como diria a minha avó paterna, viemos ao mundo para sofrer. Com o Sporting, é claro.»
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