sexta-feira, dezembro 30, 2005

A conclusão

"Sondagem EXPRESSO/Eurosondagem
Um milhão de portugueses são homossexuais"
Expresso - 30/12/2005

«CERCA de um milhão de portugueses (9,9%) revelam ser homossexuais, numa sondagem, com questionários anónimos e confidenciais, realizada este mês pela Eurosondagem para o EXPRESSO.
No conjunto dos portugueses com mais de 15 anos, 7% afirmam ser homossexuais, 2,9% bissexuais e 90,1% heterossexuais. Entre os que indicam a sua orientação homossexual ou bissexual, não há diferenças significativas entre os homens (7,3% e 2,8%, respectivamente) e as mulheres (6,8% e 3%). E, no total, apenas cerca de 50% assumem socialmente a sua homossexualidade.
Estes valores são semelhantes aos de outros países europeus, como a Espanha (onde estudos recentes apontam para 7,5% a 10% de homossexuais), ou a Grã-Bretanha (6% da população).
A sondagem do EXPRESSO sobre os hábitos sexuais dos portugueses revela, ainda, que 52,8% dos inquiridos mantêm relações sexuais não se preocupando com os riscos da sida e que um terço (33,5%) nunca usa preservativo.
Por outro lado, 6,3% admitem usar produtos potenciadores de desejo sexual, como o Viagra, e 27,1% das mulheres assumem já ter feito uma interrupção voluntária da gravidez ou mais. E a grande maioria (82%) fez a IVG em Portugal, ilegalmente.»

As técnicas

Expresso - 30/12/2005
Ficha técnica

"Estudo sobre orientação e hábitos sexuais, realizado pela Eurosondagem, S.A., nos dias 13 a 20 de Dezembro de 2005. Entrevistas directas e pessoais, sendo os inquiridos - a quem foi fornecido o questionário para responderem - previamente informados do objectivo do trabalho. As perguntas foram efectuadas por entrevistadores seleccionados, e supervisionadas, a residentes em Portugal Continental com 15 ou mais anos. Foram efectuadas 1.980 tentativas de entrevistas. Dos contactados, 1.254 (63,3%) recusaram colaborar no estudo. Trata-se de uma percentagem anormalmente alta, devida aos temas abordados.
A amostra atingida, de 726 entrevistas validadas, é composta por 369 pessoas (50,8%) do sexo feminino e 357 (49,2%) do sexo masculino. No que concerne à faixa etária, constata-se que, com o aumento da idade, foi maior a percentagem de recusa em responder. Daí resultou, em termos de entrevistas validadas, o seguinte quadro: 326 pessoas (44,9%) dos 15 aos 30; 267 (36,8%) dos 31 aos 49 anos; e 133 (18,3%) com 50 anos ou mais, distribuição que obviamente não tem correspondência com a população residente em Portugal Continental.
Não foi incluída a hipótese Não Sabe/Não Responde, tendo os inquiridos sido previamente informados. O erro máximo da Amostra é de 3,64%, para um grau de probabilidade de 95,0%."

quarta-feira, dezembro 28, 2005

"Memories..."

"Actualização - seis jovens salvos por helicóptero
Escuteiros que se perderam na Serra da Estrela já foram resgatados"
Público 28.12.2005 - 16h10 Lusa

«Um helicóptero da Protecção Civil resgatou às 13h30 de hoje o grupo de seis escuteiros que desde a tarde de ontem estava perdido na Serra da Estrela.

Os cinco rapazes e a rapariga do grupo "Pioneiros 61", dos escuteiros do Estoril, estão todos em perfeitas condições de saúde. Os jovens foram resgatados no sítio do Piornal, entre a Torre e o vale do Rossim.
Segundo informação das autoridades locais, estiveram envolvidos nas operações de busca mais de 60 bombeiros de diversas corporações da Serra da Estrela e militares da GNR, nomeadamente o grupo de montanha da Covilhã.
"Fizemos equipas que se espalharam pela Serra da Estrela durante a noite e madrugada", explicou Hélder Almeida, comandante distrital da GNR de Castelo Branco.
O mesmo responsável destacou a colaboração do Centro de Limpeza de Neve da Serra da Estrela, que, para que as buscas se pudessem realizar, abriu a estrada Nave-Piornes-Sabugueiro, que estava fechada ao trânsito devido ao nevoeiro e queda de neve.
O grupo saiu ontem de Manteigas pelas 10h35, no âmbito de uma actividade de cinco dias na Serra da Estrela, num dia caracterizado por intenso nevoeiro e queda de neve.
"Começámos a sentir-nos perdidos ao fim da tarde, quando a neve e o nevoeiro cobriram por completo o trilho", disse André Vieira, de 17 anos, um dos escuteiros.
Os jovens não tinham no local onde se encontravam rede de telemóvel ou qualquer ponto de referência, pelo que optaram por procurar abrigo. Como estava a anoitecer, "tratamos de arranjar abrigo, debaixo de uma rocha", explicou André Vieira.
Hoje, ao amanhecer, sem neve, mas com nevoeiro intenso, o grupo procurou obter rede de telemóvel num pico das proximidades, de onde conseguiu finalmente comunicar com o acampamento, dando assim a sua localização e permitindo reorientar as buscas. Os elementos do grupo têm entre 14 e 17 anos e vão prosseguir as actividades programadas na Serra da Estrela.»

Ora vamos lá ver, não foi bem isso que eu disse!

"Candidato presidencial diz que apenas se limitou a dar um exemplo
Cavaco Silva nega ter sugerido Secretaria de Estado para as empresas estrangeiras"
27.12.2005 - 17h54 Lusa,

PUBLICO.PT

«Cavaco Silva negou hoje ter sugerido a criação de uma Secretaria de Estado para acompanhar as empresas estrangeiras em Portugal, dizendo que se limitou a "contar histórias de sucesso que ocorrem em outros países".

"Eu não sugeri a criação de um secretário de Estado nem defendi a criação de nenhuma Secretaria de Estado. Apenas contei histórias de sucesso que ocorreram em outros países", argumentou o candidato presidencial à saída de uma reunião na Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), em Lisboa.
Em entrevista à edição de hoje do "Jornal de Notícias", Cavaco Silva defendeu que "tem de ser feito um acompanhamento com algum pormenor" das empresas estrangeiras em Portugal, sugerindo que este "deveria ser feito por um secretário de Estado especialmente dedicado a esta tarefa". Questionado pelo diário sobre se iria fazer essa proposta ao Governo, se for eleito Presidente da República, o candidato respondeu: "Já o estou a propor aqui".
No entanto, esta tarde, Cavaco Silva afirmou que as suas declarações "não têm nada a ver com o Governo português", nem mesmo com a sua candidatura a Presidente da República. "O que me preocupa é o desemprego. Não deixarei de contar o que é feito nos outros países para tentar resolver o problema de desemprego", justificou.
A este propósito, Cavaco Silva desvalorizou as críticas dos seus adversários Jerónimo de Sousa, Francisco Louçã e Manuel Alegre, que o acusaram de estar a entrar na esfera do Governo, classificando-as como "inverdades".
"Se os candidatos à Presidência da República disserem mais ou menos inverdades é coisa que não me preocupa absolutamente nada, já ouvi muitas ao longo destes três meses e meio", rematou.
Em reacção às declarações de Cavaco Silva ao JN, Manuel Alegre alertou para "os riscos de governamentalização da Presidência da República", se Cavaco Silva for eleito chefe de Estado, e acusou o seu adversário de "interferir claramente em assuntos que são da esfera executiva, que competem ao Governo".
"Isto é uma interferência clara na esfera de competências de outro órgão de soberania e mostra que ele não avançou nas suas ideias e que pensa que é, ainda, o homem do leme", afirmou Manuel Alegre.
Também o candidato presidencial apoiado pelo Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, considerou que Cavaco Silva está a tentar interferir nas competências do Executivo. "Com franqueza, não compete a um candidato a Presidente da República definir a orgânica do Governo", declarou Francisco Louçã, sustentado que "se o dr. Cavaco Silva conhecesse bem a Constituição e as leis, perceberia que a orgânica do Governo é uma competência exclusiva do Governo, que nem sequer passa pela Assembleia da República".
Por sua vez, Jerónimo de Sousa acusou Cavaco Silva de "ainda ter alma de primeiro-ministro", defendendo que a proposta do candidato apoiado pelo PSD e CDS-PP "constitui, no mínimo, uma ingerência". Cavaco Silva "tem ainda essa alma de primeiro-ministro, é-lhe muito difícil vestir a capa de Presidente da República", considerou Jerónimo de Sousa.»

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Este interessa-me a mim, não digam que não faço nada neste blog....

Portucel hesita entre Stora ou uma nova máquina de papel 2005-12-23 12:40

Semanario.pt
O BESI quer que Queirós Pereira compre a Stora para ganhar uma comissão. Mas a Portucel tem interesse em comprar uma nova rotativa para fabricar papel de maior valor acrescentado, em vez de se envolver ainda mais na produção de pasta de papel. Queirós Pereira hesita, porque ainda tem que comprar as acções da OPA que não fez na Portucel e porque tem a família em guerra.
O BESI quer que Queirós Pereira compre a Stora para ganhar uma comissão. Mas a Portucel tem interesse em comprar uma nova rotativa para fabricar papel de maior valor acrescentado, em vez de se envolver ainda mais na produção de pasta de papel. Queirós Pereira hesita, porque ainda tem que comprar as acções da OPA que não fez na Portucel e porque tem a família em guerra.Depois da refinaria de Patrick Monteiro de Barros, a compra de uma nova máquina de produção de pasta de papel para a Portucel pode ser um dos programas mais emblemáticos do Governo e da API. Mas, neste momento assediado com a guerra com os irmãos e sobrinhos, Pedro Queirós Pereira hesita em avançar com o novo investimento definido por Manuel Pinho como um dos projectos prioritários para o País. Para além da instabilidade accionista no grupo Semapa, da família Queirós Pereira, o empresário está a ser pressionado por José Maria Ricciardi, do BESI, a comprar a Stora, a antiga fábrica da Celbi, que produz actualmente cerca de 250 mil toneladas de pasta, totalmente para o mercado externo, concorrendo assim com o Brasil ou a Indonésia. A Portucel produz actualmente mais de 1,2 milhões de toneladas repartidas pelas fábricas da antiga Soporcel e da Portucel de Setúbal e Aveiro. Esta produção é direccionada, em cerca de 80%, para ser convertida em papel, sendo actualmente a Portucel líder europeu no mercado de papel de fotocópias. Ou seja, a Portucel, neste momento, para um papel de baixa qualidade e corrente, ainda tem capacidade excedentária de produção de pasta, o que a obriga a exportar cerca de 20% da produção. Neste sentido, não faz qualquer sentido económico a compra da Stora por parte da Portucel, servindo apenas para o BESI ganhar uma comissão, mas prejudicando claramente a Portucel e os seus accionistas.

Uma rotativa de papel em vez de uma nova máquina de pasta

Faz muito mais sentido converter o excedente de pasta em papel de maior valor acrescentado em Portugal, evitando assim que a Portucel esteja sujeita às flutuações do mercado internacional de pasta, podendo a pasta adicionalmente necessária ser comprada no mercado internacional ou mesmo à própria Stora. Neste sentido, seguindo os especialistas do sector papeleiro, faz muito mais sentido a compra de uma nova rotativa, sobretudo para fabrico de papéis de maior valor acrescentado por parte da Portucel, que a compra de uma nova máquina de pasta de papel ou mesmo a compra da fábrica da Stora.A oportunidade da compra de uma nova máquina de pasta para a Portucel coloca-se, contudo, num plano diverso, dada a existência de fundos comunitários para apoiar o investimento. Dado que o Governo está disponível para financiar, a 20%, a compra da nova máquina, a Portucel teria interesse no investimento, se conseguisse jogar com o preço, levando o Estado a financiar pelo menos 50% do papel. Bastaria para tanto que a máquina, em vez de custar 500 milhões como previa Álvaro Barreto, custasse 800 ou 900 milhões de euros.

Ó infortúnio, que me afastaste anos e anos deste excelso rigor no raciocínio...

"Os polegares de Soares"
Jorge Fiel
Expresso - 23/12/2005
"DOMINGO à noite estive a ajudar a minha filha Mariana, 20 anos, a redigir o seu primeiro «curriculum vitae» (CV). Acondicionar o mais relevante da vida de uma pessoa no espaço equivalente a uma folha A4 é um tremendo desafio.

Devo confessar que torço o nariz quando me chega às mãos um longo e entediante currículo em que um candidato a jornalista tenta disfarçar o nada com o relatório fastidioso de dezenas de participações em seminários, conferências e mesas-redondas. Lembro-me logo das minhas vãs tentativas de esconder com a travessa uma feia mancha na minha toalha de mesa preferida - há sempre alguém a pegar na travessa e a desvendar a nódoa.
O factor escasso é a atenção humana e por isso os currículos devem ser curtos e sintéticos.

Mas para mim o que é realmente importante é a selecção dos factos que revelamos. Nesse aspecto, a elaboração de um currículo é a coisa mais parecida que há com o jornalismo puro e duro.

Duas viagens de «inter-rail» na adolescência, ter sido dirigente da associação de estudantes ou trabalhado nas férias de Verão a distribuir pizzas ou ter um «site» na Internet revelam mais sobre o carácter e personalidade de uma pessoa que a participação num obscuro seminário sobre o PIDDAC.

O Mundo mudou mais nos 20 anos que separam estas presidenciais das de 86 - imaginem que no ano em que Soares bateu Freitas os telefones estavam todos agarrados à parede por um fio! - do que nos restantes 20 séculos dC. Há toda uma geração que está a crescer com o rato do computador numa mão e o comando à distância do televisor na outra.

O essencial para decidirmos em quem votamos não são as promessas dos candidatos, mas sim o verificar nos seus currículos se têm as aptidões e personalidade adequadas ao momento que o país e o Mundo vivem.

Ao incluir no currículo que não usa telemóvel, Mário Soares está a revelar que pertence a uma geração que nunca enviou uma SMS e não deu outra utilidade aos polegares senão a de chuchar neles (quando eram bebés) - ou eventual, e posteriormente, como auxiliares de uma recatada limpeza de salão.

A última revolução tecnológica que Soares acompanhou foi provavelmente a das máquinas de escrever. Não é o homem adequado ao momento em que o choque tecnológico está a encher todas as bocas. Não usar telemóvel no ano 2005 é muitíssimo mais grave do que não ter lido Os Maias em 1955. E o candidato do PS não percebeu isso. Mário Soares não está velho por ter 82 anos. Está obsoleto porque não usa telemóvel e tem orgulho nisso."

É Natal

"A ‘recentragem’ "
Clara Ferreira Alves
Expresso - 23/12/2005

«O Vítor e a Fredy ofereceram-me dois frascos, geleia de marmelo e compota. Eu dei-lhes a colecção de DVD das peças de Shakespeare pela BBC e um livro de Saul Bellow. Houve outros presentes, menos literários, mas, nas conversas que tenho com o Vítor por mail, sei que ele é um amante de literatura. As observações sobre «A Mancha Humana», de Philip Roth, são perfeitas. E sobre o Graham Greene, uma das minhas paixões, e que ele acabou a oferecer à Fredy, «O Fim da Aventura». Como não pode virar as páginas do livro, e o virador automático avariou, é a Fredy que se senta na cadeira de rodas dela ao lado da cadeira de rodas dele, mais alta, e lhe vira as páginas. Com o DVD é mais simples. O DVD foi a Fredy que lhe comprou, mais a televisão com antena interior e apenas quatro canais, porque não há parabólica nem cabo no quarto do Vítor no Pousal. Assim, poderão ver juntos «Hamlet», «Romeu e Julieta», «Macbeth», «Júlio César»... com legendas em português. E poderão ver o «Gato Fedorento», aliás, vimos juntos uns sketches dos Gatos, descambou em gargalhada. Num lar de deficientes profundos ouvem-se muitos gritos, choro, objectos arrastados, sussurros, gemidos, grunhidos, não se ouve o riso. A gargalhada do Vítor é silenciosa, aprendeu a rir com os olhos. A doença degenerativa que lhe aprisionou o corpo e lhe paralisou todos os músculos excepto aquele no pescoço com que ele acciona o computador que a PT lhe ofereceu, com o sistema especial The Grid (parecido, creio, com o do físico Stephen Hawking), não lhe tocou na cabeça e vingou-se em tudo o resto. O cérebro lá está, activo, vigilante, inteligente, emotivo, o corpo é que foi deixando de obedecer. De modo que ele e a Fredy comunicam pelo velho sistema por ela inventado, filas de letras do alfabeto coladas no tabuleiro da cadeira. Ela diz, com a sua voz entaramelada (a deficiência dela, embora a paralise, não lhe retirou a fala nem o uso dos braços e das mãos), um, e vai soletrando as letras da fila número um, A, B, C, D, até o Vítor, com um sinal imperceptível dos olhos e um ruído da laringe (o Vítor não pode falar), assinalar a letra. E assim, lentamente, pacientemente, constroem um diálogo. Demora tempo, tudo demora tempo, e a Fredy recomeça quando não consegue identificar a palavra. Para abreviar, completamos a frase, e se não acertamos, voltamos atrás, caminhando sobre os nossos passos naquele discurso a conta-gotas. As frases do Vítor são sempre acertadas e cheias de humor. A televisão faz-lhe companhia e a RTP2 é a sua favorita. Adorou o «Six Feet Under», eu aviso-o (ele ouve bem) que vem aí o «Curb Your Enthusiasm», do Larry David, o homem que inventou a série «Seinfeld». Esquecemo-nos como a televisão pode ser a única companhia, e a boa companhia, embora no caso dele a companhia seja a Fredy e as pessoas do Lar do Pousal, gente heróica que atravessa o inferno do sofrimento humano. Freiras, terapeutas, professoras, empregadas, juntos fazem daquela casa sustentada pela Santa Casa da Misericórdia um verdadeiro lar. No Pousal coabitam as doenças genéticas mais terríveis com as deficiências mais e menos profundas. Da esclerose múltipla a síndromas com nomes impronunciáveis. E coabitam as idades todas, as crianças e os velhos, os que vivem numa região crepuscular onde anda desaparecida a face de Deus, onde parece desumano aquilo que não deixa de ser profundamente humano. E a directora do Lar, a Maria Antónia Goulão, a que a Maria José Nogueira Pinto chamava «a santa», quando era a provedora, toma conta de tudo. O dinheiro não abunda, mas o Lar está impecável. Não tem muitos visitantes, as famílias têm problemas em enfrentar a extrema vulnerabilidade de um dos seus, a não pertença ao reino superior da normalidade. A verdade é que uma visita ao Pousal, na Malveira, nos deixa diferentes por dentro. Foi a Maria José que conseguiu editar o livro de poemas do Vítor e da Fredy, «Pontes da Vida», na Bertrand, com prefácio do João Lobo Antunes. Eu apresentei o livro, e vai ter segunda edição, proeza que enche a Fredy de comovido orgulho. A alegria é uma especiaria tão rara e tão cara. Tudo o que aborrece na vida de todos os dias não constitui para os deficientes profundos um problema, ali não há a vida de todos os dias, há a vida de um dia de cada vez. Eu perdi a festa de Natal. Da outra vez havia um lanche, bolos, geleias e compotas caseiras, sanduíches, grinaldas, cartazes, ninguém imagina a quantidade de coisas bonitas que os dedos rebeldes dos internados do Pousal conseguem fazer. Presentes de Natal. Quem olhar para aquilo com olhos cá de fora, fica petrificado de horror. Quem habitua os olhos à luz que há lá dentro, a luz negra do desespero e da dor misturada com a luz clara da esperança e da vontade, sabe que o Pousal é um lugar que não pode ser abandonado aos desaires da Administração Pública, nem aos caprichos dos políticos. O Pousal é a prova de que é para isto, para os que não conseguem caminhar pela vida fora sem a muleta da acção social e da solidariedade, que o Estado existe e tem de continuar a existir. O Pousal é a prova de que o liberalismo que quer retirar o Estado disto tudo é, apenas, a teorização da estupidez e da força bruta de quem é válido e se julga imortal. Por isso, porque sei que mesmo o que é bom pode e deve ser melhorado, e que, se não fosse a caridade da PT, o Vítor não podia comunicar, nem escrever e ir à Net (e ninguém imagina como isso o prende à vida, mantém acesa a sua curiosidade, e a tortura que foi quando a PT demorou dois meses a arranjar o computador), por isso, dizia eu, não acredito que a notícia do jornal diga isto: «Os mais de 100 milhões de euros de receitas líquidas do primeiro ano de exploração do Euromilhões - canalizados para o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e destinados a apoiar idosos e pessoas com deficiência - não foram gastos apenas porque este ano não têm enquadramento orçamental». As receitas revelaram-se «absolutamente explosivas», suplantando as expectativas, e o anterior ministro da Segurança Social apenas terá feito reflectir no Orçamento de Estado deste ano uma pequena parte, pois o jogo estava em fase de arranque. O dinheiro apenas será canalizado, para a Santa Casa inclusive, em 2006, «mas não se pode partir do princípio de que as receitas continuarão tão elevadas». Por isso, diz um porta-voz, está em cima da mesa uma renegociação dos acordos do Estado com as instituições de solidariedade social, incluindo as misericórdias, o que poderá ditar «uma recentragem» das verbas. «Recentragem»? Traduzo do burocratês: menos dinheiro, e toda a gente sabe que as receitas dos Euromilhões nunca descem, só sobem. Tenham vergonha. E, meu caro engenheiro Sócrates, vá ao Lar do Pousal. Faça-me esse favor. Vá lá. E «recentre-se» depois na paz do seu lar e tenha um Feliz Natal.»

Finalmente um artigo sobre o aeroporto

"Rio Frio: o novo aeroporto, em Lisboa"
S. Pompeu Santos


Público - 23/12/2005

«Um aspecto marcante no processo de decisão da construção do aeroporto da Ota é, sem dúvida, a sua rejeição pela opinião pública portuguesa, bem evidenciada em várias sondagens realizadas. Ainda recentemente, no Barómetro organizado por este jornal, com a pergunta: "Concorda com o aeroporto da Ota?", a percentagem do "não" foi de 73 por cento.Porquê esta reacção? Não é porque as pessoas morram de amores pelo Aeroporto da Portela. Sobretudo os que viajam de avião (e hoje em dia são já muitos) sabem que o Aeroporto da Portela está longe de responder aos padrões de serviço de um bom aeroporto. É acanhado, desconfortável, confuso; uma autêntica manta de retalhos.Além disso, as pessoas vão tomando consciência de que a Portela não é, nos tempos que correm, sítio para um aeroporto. A poluição sonora, o cheiro quando o vento sopra em certas direcções e o risco pelo contínuo sobrevoo da cidade pelos aviões são inaceitáveis. Felizmente nunca houve ali um acidente grave. Depois, há o problema de estar limitado na sua capacidade, que, apesar das obras já anunciadas, ficará esgotada no máximo em 10 anos. É certo que a Portela tem os seus defensores, mas isto acontece, fundamentalmente, porque não estão satisfeitos com a opção da Ota. Então, o que é que se passa? A resposta é fácil: um aeroporto na Ota tem defeitos graves, e a generalidade das pessoas já se apercebeu.A Ota fica fora da Área Metropolitana de Lisboa, a mais de 50 km do centro da cidade. É uma distância fora do razoável, até porque Lisboa é uma cidade média, à escala europeia. Na Europa, com raras excepções, os aeroportos encontram-se a distâncias da ordem de 15-25 km do centro das cidades. É claro que Lisboa vai perder competitividade no contexto internacional, sobretudo, no turismo. Além disso, com a deslocação para norte, o aeroporto de Lisboa vai prejudicar o aeroporto do Porto, como se vêm queixando, com grande fervor, as gentes do Norte.E os problemas não se ficam por aqui. A zona de implantação do aeroporto é muito húmida (um autêntico charco no Inverno), pelo que a sua construção obriga a construir um enorme dique e a aterrar uma ribeira. Além disso, o terreno é muito irregular (tem desníveis de quase 60 metros), obrigando a escavar quase 50 milhões de metros cúbicos de terras (uma monstruosidade) e a construir um aterro com mais de 10 metros de altura, grande parte sobre lodos. Tudo isto se vai reflectir em elevados custos e graves prejuízos ambientais. Mesmo assim, o local é acanhado e não permite uma futura expansão.E quanto às acessibilidades? Um aeroporto na Ota vai provocar um aumento drástico do tráfego na auto-estrada A1, no já saturado troço Lisboa-Carregado. Muita gente vai perder o avião! Fala-se agora em construir uma nova auto-estrada entre a A1 e a CREL, mas uma obra dessas será caríssima e terá graves problemas ambientais. É incrível como se decide a localização de um aeroporto e só depois se pensa nos acessos. Fala-se também em estabelecer uma ligação ferroviária tipo "vai-vem" através da linha do Norte. Mas um "vai-vem" precisa de vias dedicadas e já não cabem mais vias entre Alverca e V. Franca; só com muitos quilómetros de túneis. Também não existe ainda uma ideia clara quanto à ligação do aeroporto à futura rede de alta velocidade (TGV).Assim sendo, parece que o único argumento a favor da Ota é o facto de não haver alternativas. Mas não é verdade, existe uma alternativa e muito mais favorável: Rio Frio. Rio Frio fica dentro da Área Metropolitana de Lisboa, na margem Sul do Tejo, junto à auto-estrada A12, a pouco mais de 20 km de Lisboa pela futura ponte Chelas-Barreiro. Além disso, Rio Frio é uma zona ampla, plana e de fácil acesso a todo o país. Os terrenos são bons para a construção e o aeroporto terá facilidade de expansão. Na ponte Chelas-Barreiro seria também instalado o TGV para Madrid e para o Porto, fazendo-se a bifurcação da linha em Rio Frio, debaixo do aeroporto, onde haveria uma estação. Nessa linha circularia ainda o "vai-vem" para Lisboa que faria a viagem em 10 minutos. Além disso, como a deslocação do aeroporto é para leste, não irá prejudicar os aeroportos de Porto e Faro. E será atraente para os espanhóis!Mas, talvez se lembrem do que aconteceu em 1999. Através de um despacho conjunto dos ministros do Ambiente e das Obras Públicas de 5 de Julho, o Governo de então vetou a construção do aeroporto em Rio Frio, invocando que iria criar aí graves prejuízos ambientais. Então, e na Ota, não são graves? É de notar que em todos os estudos até agora realizados com vista à escolha do local do novo aeroporto (cinco estudos, desde 1970), Rio Frio ficou sempre em primeiro lugar. O último data de Agosto de 1999, apenas um mês após a decisão do Governo de vetar Rio Frio, e foi elaborado pelo conceituado consultor internacional ADP-Aeroports de Paris, a pedido da Naer, empresa estatal que está encarregue do novo aeroporto. O relatório só agora foi tornado público, fazendo parte do pacote de relatórios incluídos nos CD distribuídos pelo Governo no mês passado.De acordo com esse relatório, foram analisadas duas localizações: Ota e Rio Frio. O estudo é muito completo (o relatório tem mais de 180 páginas), e teve por base uma análise multicritério, em que foram considerados todos os aspectos relevantes para a sustentabilidade de um grande projecto: aspectos económicos, sociais e ambientais. Os aspectos ambientais tiveram por base o Estudo Preliminar de Impacto Ambiental dos dois locais, o mesmo que serviu de base ao veto do Governo. No caso de Rio Frio foram estudadas duas opções de orientação das pistas: sul/norte (S/N) e oeste/leste (W/E). Apesar de já existir o veto do Governo, o estudo considera as três hipóteses viáveis e chega à seguinte classificação: 1.º, Rio Frio W/E, 718 pontos; 2.º, Rio Frio N/S, 675 pontos; e 3.º, Ota, 616 pontos. Também no que se refere aos custos de construção (para as duas fases previstas) o resultado do estudo é claro: Rio Frio W/E, 1600 milhões de euros; Rio Frio S/N, 1900 milhões de euros; e Ota, 2000 milhões de euros, portanto mais 25 por cento do custo de Rio Frio W/E.Contudo, com as dificuldades do local, os custos de construção do aeroporto da Ota vão disparar. As últimas estimativas apontam já para custos superiores a 3000 milhões de euros. E não se diga que isso não tem importância, lá porque o Estado só vai pagar 10 por cento. É claro que os privados não vão fazer caridade e nós, como utilizadores, iremos pagar tanto mais quanto mais caro ficar.Aos custos de construção do aeroporto haverá ainda que somar os custos das novas acessibilidades, as tais que não estão ainda resolvidas. Não será exagero dizer que, só em custos directos, a opção Ota vai custar mais de 2000 milhões de euros a mais que a opção Rio Frio. E, claro, o que se gastar a mais com o aeroporto vai faltar para outras coisas. Mas os custos para a economia geral do país serão ainda bem mais gravosos.É incompreensível que num país com escassos recursos, como o nosso, haja um veto político a impedir que seja adoptada a melhor solução. Ainda há tempo para emendar o erro. É o nosso futuro e o dos vindouros que está em causa."

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Verdade, mas precisei de viver 10 anos cavacosos mais 10 de endeusamento antes de poder apreciar uns “uppercuts”

"Como Soares deu um KO a si próprio"
José António Lima

Expresso - 21 Dezembro 2005

«Mário Soares precisava, no debate final com Cavaco Silva, de ser politicamente contundente mas, também, construtivo e credível. Foi, apenas e só, agressivo no tom e destrutivo nas palavras. Precisava de abrir brechas no distanciamento esfíngico de Cavaco, de o fazer descer do pedestal de superioridade em que tem decorrido a sua campanha. Conseguiu, apenas e só, desgastar-se a si próprio em ataques e indelicadezas sucessivas reforçando a aura de seriedade e respeitabilidade do seu adversário.
Mário Soares não fez uma única intervenção, uma única, ao longo de mais de uma hora de debate, com uma ideia para o país, com uma proposta mobilizadora, com uma mensagem positiva. Foi reiteradamente agreste, catastrofista, acintoso, negativista. Obcecado em denegrir e abalar o adversário, esqueceu-se de que estava a falar para os portugueses, perdeu a compostura e o discernimento, transformou uma campanha presidencial num recinto de luta livre, converteu um debate político numa conversa, azeda e ressentida, de vizinha rezingona e maldizente.

Soares chamou tudo o que podia chamar a Cavaco. «Não tem competência, não tem temperamento, não tem conversa, não é um social-democrata, é um homem de direita, quer vender gato por lebre, não tem uma formação democrática precisa, não fala, está blindado, deu o poder a outro porque tinha medo de ser julgado e de perder, é um político intermitente, só gosta de panegíricos, só governa em tempo de vacas gordas, é um economista razoável, não é um suprassumo da economia, tem vergonha do partido dele, quando está com outras pessoas ou fala de economia ou cala-se, etc., etc., etc».

A diatribe de Soares foi-se tornando, a cada remoque ou intervenção que fazia, mais incómoda para os espectadores, mais patética pela exaltação, mais confrangedora pelo excesso de linguagem e pela gratuitidade dos ataques. Chegou a roçar a inconveniência, como na alusão às conversas com políticos europeus sobre o comportamento de Cavaco quando este era primeiro-ministro.

Cavaco nem precisou de ser brilhante para sair claramente por cima deste debate. Bastou-lhe ignorar a má-língua, não baixar ao nível conflituoso e chocarreiro do seu adversário, falar do pensa poder ser o seu papel em Belém e, em sintomático contraste, deixar cair alguns elogios às qualidades do opositor. Enquanto isso, Mário Soares tratava, acusação atrás de acusação, golpe após golpe, de dar um KO a si próprio e de se pôr fora de combate.»

Ninguém disse o contrário Saddam, mas a questão agora é outra.

«Antigo ditador acusa Washington de mentir acerca das "torturas" que diz ter sido alvo
Saddam Hussein: "a Casa Branca é a maior mentirosa do mundo"»
Público - 22.12.2005 - 13h37

«Saddam Hussein acusou hoje Washington de “mentir” acerca das alegadas torturas que diz ter sido alvo por parte das forças americanas no Iraque. “Na Casa Branca só há mentirosos. A Casa Branca é a maior mentirosa do mundo”, acusou o antigo ditador iraquiano que compareceu hoje em tribunal para a sétima sessão do seu julgamento em conjunto com sete dos seus mais directos colaboradores.

A sessão começou com uma viva troca de palavras entre o meio-irmão de Saddam, Barzan al-Tikriti, e o procurador, Jaafar al-Mussaui.
Na sessão de ontem, Saddam surpreendeu os juízes acusando as forças americanas de o terem “torturado” e de lhe terem “batido” enquanto esteve preso garantindo que ainda tem as marcas no corpo. Hoje regressou ao assunto para responder à Casa Branca que ontem desmentiu esta acusação. “A Casa Branca é a maior mentirosa do mundo”, atirou. “Eles mentiram quando disseram que o Iraque tinha armas químicas. E mentem também quando dizem que eu nunca fui espancado”.
Barzan al-Tikriti também disse ter sido vítima de maus tratos. “Eles colocaram-me questões e quando eu lhes dizia que não sabia eles exigiam uma resposta do tipo ‘sim ou não’ e esbofeteavam-me quando estava de mãos atadas”, disse Al-Tikriti sem precisar se os autores destas agressões eram iraquianos ou americanos.
Barzan al-Tikriti acusou ainda o procurador Jaafar al-Mussaui de ser um antigo responsável do partido Baas, de Saddam Hussein.
Uma testemunha, cuja voz foi alterada, testemunhou hoje por detrás de uma cortina verde falando acerca da repressão que foi alvo a localidade xiita de Dujail depois de um ataque à caravana em que seguia Saddam Hussein, em 1982. “A minha avó disse-nos que foi torturada à frente dos seus filhos e filhas que também foram torturados à sua frente”, disse. A defesa contestou esta afirmação perguntando à testemunha se tinha visto com os seus próprios olhos os factos que relatou. “Nós fomos ameaçados e refugiamo-nos em casa”, respondeu.
Outra testemunha revelou ter visto uma criança torturada à frente da sua mãe na prisão de Abu Ghraib e que outras crianças morreram de fome no mesmo local.»

Uns anos antes, JAF, e...

"Entre 1935 e 1975, 63 mil pessoas foram submetidas a uma esterilização eugénica
Governo sueco quer esclarecer esterilizações maciças que realizou no passado"
Público - 22.12.2005 - 12h09 Lusa

«O Governo sueco encomendou um estudo para esclarecer os motivos que levaram o país a esterilizar dezenas de milhar de pessoas, na sua grande maioria mulheres, nos séculos XIX e XX, noticia hoje a imprensa local.

"Um dos objectivos fundamentais é saber que sociedade era esta que desenvolveu uma mentalidade eugenista e a investigação neste domínio, que era cientificamente aceite", refere um comunicado emitido quarta-feira pelo ministro da Cultura, do Ensino Superior e da Investigação, Leif Pagrotsky.
A eugenia é uma prática destinada a melhorar a espécie humana através da selecção ou eliminação de certas características hereditárias que foi desenvolvida na Suécia e noutros países no século XIX, e que serviu de base às políticas raciais do século XX.
Na sua forma mais extrema, a eugenia esteve em vigor sob o regime nazi com vista a eliminar pessoas consideradas "inferiores", mas foi também praticada noutros países, nomeadamente nos Estados Unidos.
No total, 63.000 pessoas, essencialmente mulheres, foram submetidas na Suécia, entre 1935 e 1975, a uma esterilização eugénica que visava criar uma raça sueca mais forte.
Este país escandinavo, oficialmente neutro durante a Segunda Guerra Mundial, forçou pessoas deficientes, epilépticas ou com problemas sociais a sofrer a intervenção, por vezes como contrapartida para serem autorizadas a casar-se ou ter alta de hospitais psiquiátricos.
Em 1999, as autoridades de Estocolmo aceitaram indemnizar as vítimas de esterilizações forçadas, dando-lhes quantias que chegaram nalguns casos a 175.000 coroas (19.000 euros) por pessoa.
O Governo encarregou o Fórum para a História Viva - uma organização especializada em estudos sobre o Holocausto e que levanta questões de tolerância, democracia e direitos humanos - de fazer um balanço das investigações feitas na Suécia no domínio da eugenia e determinar se é necessário continuar a analisar a questão.
Os resultados deste trabalho deverão ser apresentados em 31 de Março de 2007.»

Vou só confiscar, não é executar fiscalmente, está bem?

"Contribuintes de maior risco
Fisco vai congelar bens"
Expresso - 09:46 22 Dezembro 2005

"A Direcção-Geral de Contribuições e Impostos está a trabalhar num modelo operacional que permita «confiscar» os bens dos contribuintes de maior risco, antes de ser instaurada a execução fiscal. A medida deverá ser aplicada sobretudo às dívidas de retenções na fonte de IVA.

A informação é avançada hoje pelo «Diário Económico», segundo o qual o objectivo é evitar que os devedores com dívidas de montante significativo se desfaçam dos bens antes da penhora, fugindo ao pagamento dos impostos.

Este é um dos projectos que as Finanças estão a pôr em marcha para evitar a prescrição de processos, que este ano deverá atingir um valor recorde, escreve também o DE.
O projecto, chamado «sistema de gestão e promoção de acções cautelares», é um modelo de reacção preventiva que vai funcionar mediante o cruzamento de informações entre as diversas bases de dados da Direcção-Geral de Contribuição e Impostos (DGCI).

O fiscalista Rogério Fernandes Ferreira disse ao DE que a «possibilidade de as Finanças avançarem com uma providência cautelar para garantirem que o devedor não se desfaz dos bens para fugir ao pagamento da dívida está consagrado no Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e na Lei Geral Tributária».

No entanto, Rogério Fernandes Ferreira explicou ao jornal que até agora não tem sido muito usado.

O CPTT permite que a administração fiscal solicite o arresto de bens de um contribuinte sempre que suspeite que a cobrança da dívida está em risco.

A apreensão dos bens não obriga a que o contribuinte já tenha sido informado da dívida, bastando que o tributo esteja apenas em fase de liquidação, escreve o jornal.
O fisco pode também apreender os bens dos responsáveis solidários ou subsidiários do devedor."

terça-feira, dezembro 20, 2005

Tempo novo... confesso que já tinha saudades!

Santana Lopes aparece no Parlamento
O antigo primeiro-ministro do PSD, Santana Lopes, esteve esta terça-feira no Parlamento para assistir «a um debate importante para o país», sobre as perspectivas financeiras da União Europeia, mas manteve o silêncio sobre presidenciais.
( 16:45 / 20 de Dezembro 05 )
TSF

"À saída das galerias onde assistiu à primeira hora do debate mensal, no Parlamento, quando falaram o primeiro-ministro José Sócrates e o líder da oposição, Marques Mendes, o social-democrata Santana Lopes justificou: «Vim aqui para assistir a um debate importante sobre uma matéria importante para o país».
Sobre o acordo quanto às perspectivas financeiras para os próximos sete anos, o antigo líder do PSD considerou-o «uma boa notícia para Portugal» e agradeceu o reconhecimento feito por José Sócrates pelo trabalho do anterior executivo PSD/CDS, no qual era primeiro-ministro.
«Fica bem ao sr. primeiro-ministro fazer esse reconhecimento público», disse, salientando que também Marques Mendes fez essa ressalva.
Pedro Santana Lopes devolveu o elogio ao executivo socialista, considerando que este «continuou o bom trabalho» nas negociações europeias e trouxe «boas notícias para Portugal».
Santana Lopes, que tem o mandato de deputado suspenso, afirmou que ainda não decidiu se irá regressar ao hemiciclo da Assembleia da República, frisando que não se esgotaram os dez meses que a lei prevêpara esta situação.
«Ainda não tomei uma decisão sobre o regresso ao Parlamento, estou dentro do que a lei me permite», afirmou.
Questionado sobre as eleições presidenciais de 22 de Janeiro, o ex-primeiro-ministro disse ser sua «obrigação» manter o silêncio.
«É o que tenciono fazer, são circunstâncias excepcionais. Por razões óbvias, há um ciclo que deve decorrer em que a minha obrigação deve ser esta: o silêncio», disse.
Apesar de nada dizer sobre as presidenciais, Santana Lopes afirmou que vai ver o debate de hoje, na RTP, entre Cavaco Silva, candidato apoiado pelo PSD e CDS-PP, e Mário Soares, apoiado pelo PS.
Depois de se despedir várias vezes dos jornalistas, mas continuando a responder às suas perguntas, o ex-presidente do PSD deixou um outrosignificado para a sua visita ao Parlamento.
«Vim aqui porque é Natal, desejar a todos boas festas com a minha presença. É um gesto que significa que há um tempo novo que está a começar», afirmou, antes de abandonar a Assembleia da República."

Olha este, quem diria

"Tocqueville em Madrid"
João Carlos Espada

Expresso - 17/12/2005

"Decorreu esta semana em Madrid, por iniciativa do Professor Eduardo Nolla e da FAES (Fundacion para el Analisis y los Estudios Socials), uma conferência comemorativa do bicentenário do nascimento de Alexis de Tocqueville. Entre os temas abordados esteve a concepção de liberdade de Tocqueville, que deve ser distinguida claramente da de Rousseau e, ainda que menos vincadamente, da de John Stuart Mill.

Como, por coincidência, recordei aqui no sábado passado, Rousseau não aceitava o indivíduo enraizado em qualquer particularismo: os seus interesses privados é a sua família, o seu negócio ou a sua igreja - impedi-lo-iam de se tornar um cidadão totalmente dedicado à vontade geral. Esta hostilidade contra todos os «attachments» particulares, para usar a expressão de Michael Oakeshott, esteve na origem do jacobinismo e do comunismo.

Tocqueville e John Stuart Mill viram o perigo totalitário contido nesta concepção da vontade geral. No famoso ensaio On Liberty, John Stuart Mill argumentou que o principal perigo das sociedades modernas na era democrática era a tirania da maioria sobre as minorias e sobre o indivíduo. Isso levou-o a estabelecer o célebre princípio muito simples: que a única justificação para a interferência da sociedade com o indivíduo devia ser a prevenção de danos a terceiros. Podemos descrever esta visão de Mill sobre a liberdade como liberdade negativa ou como ausência de coerção por terceiros. Tocqueville estava seguramente ao lado de Stuart Mill na defesa desta liberdade contra as ameaças provenientes de um entendimento rousseauista da liberdade como soberania colectiva. Mas Tocqueville viu algo mais, a que Stuart Mill, pelo menos, não prestou tanta atenção.

Tocqueville viu que a liberdade ficaria muito frágil se ficasse apenas entregue à protecção de indivíduos isolados ou atomizados, indivíduos dedicados a multiplicar «experiências de vida», como lhes chamou Stuart Mill. Tocqueville queria proteger a liberdade dos indivíduos, mas não apenas daqueles que querem fazer «experiências de vida». Queria proteger a liberdade de indivíduos concretos que estão enraizados nos seus próprios modos de vida, nas suas famílias, actividades profissionais, igrejas e outras instituições descentralizadas - não directamente desenhadas ou dirigidas pelo desígnio de uma autoridade política.

Viu essas instituições com uma actividade vibrante na América - aquilo a que hoje chamamos sociedade civil ou instituições intermédias. E Tocqueville atribuiu à arte de associação dos americanos - bem como à sua religiosidade cristã - a principal barreira contra o despotismo na era democrática.

Neste sentido, podemos dizer que Tocqueville viu a liberdade essencialmente como dispersão do poder. Na divisão da autoridade e na multiplicação das suas fontes, viu as mais duradouras condições da liberdade."

O problema é que este tem uma certa razão (para mim, claro)

"O terceiro homem"
Vasco Pulido Valente


Público - 18/12/2005

"A última sondagem que dá Cavaco 55,5 por cento do voto, Soares com 20,4 e Alegre com 12,5 fez perder a cabeça ao PS oficial e sobretudo a Manuel Alegre. Jorge Coelho, António Costa e António Vitorino vieram a púbico pedir a desistência do resto dos candidatos da esquerda e Manuel Alegre, falando ameaçadoramente em "manipulação política", apresentou uma queixa à CNE. Percebendo que o dr. Cavaco já ganhou, os maiorais do PS querem naturalmente arranjar um bode expiatório para a sua espantosa inconsciência. Contando com Guterres (como se alguém pudesse contar com esse homem) e depois com Vitorino (que prefere ganhar dinheiro) tiveram de ir no fim bater à porta de Soares. Perante o desastre, apelam agora à "unidade", não porque a achem possível, mas para amanhã nos vir dizer que por pura obstinação Alegre foi o único culpado. São um triste retrato do partido.
Posto isto, é evidente que a candidatura de Alegre não faz espécie de sentido e matou à nascença a candidatura de Soares (uma façanha que a direita agradece). Se Alegre olhasse bem para si próprio, parava de espernear e percebia que ele, sozinho, chega e sobra para desconsolar e repelir qualquer eleitorado. Aparentemente, nunca lhe ocorreu que, com 30 anos de S. Bento e Largo do Rato, não era com certeza a personagem ideal para representar a "independência" e a "cidadania". Quando hoje vocifera contra a pressão do PS sobre os militantes, lembra irresistivelmente aqueles comunistas de 1980 (ou de 89), que um belo dia descobriram com fervor e espanto as belezas da liberdade. Como esses "convertidos", Alegre também não viu o que se passava à volta dele durante a vida inteira? E porque raio o Espírito Santo o iluminou tão a propósito? Ares de Belém? Vaidade ferida? De qualquer maneira, a coisa não pega. Ainda por cima os debates mostraram o verdadeiro Alegre. Não sabe nada sobre nada. Até nem sabe ao certo o que votou ou não votou na Assembleia. Como ocupou ele a eternidade que esteve em S. Bento? Ao menos, leu? Se leu, não se nota. Sobre a "Europa", sobre o ambiente ou sobre o diabo, este "renovador" serve sempre a retórica vaga e vácua de uma "esquerda" esquecida. Se Jorge Coelho, Costa e Vitorino são o retrato do partido, Alegre é o deputado típico - a ave canora, insubstancial e gorjeadora. E, olhando para ele na televisão, uma pessoa não pensa em o levar a Belém, pensa com horror que ele e centenas como ele continuam em S. Bento. A "renovação" de Alegre devia começar pela sua expeditiva reforma."

Mulheres feias? Em que é que ficamos?

"The dark side of the moon"
Clara Ferreira Alves

Expresso - 17/12/2005

"As garrafas pareciam soldados na prateleira, à espera de serem mobilizados pelas mãos dos dois criados, um deles muito velho e um deles muito novo. Garrafas de vidro murano, azul e verde e amarelo e encarnado, com mistelas e títulos de poemas. Prugna Liquore, Fior di Vite, Grappa Bianca, Julia Nova, Menta Secco, Liquore Secco Mistar. Ninguém em seu perfeito juízo pode querer beber estas coisas, ou dizer com ar sério quero um cálice de prugna secca, de fior bianca, de julia di vite, de menta nova, de grappa mistar. A solidão da cidade à noite entrava pelo Bar Americano dentro e todas as cidades mesmo as cidades de Inverno têm bares americanos com criados de olhos envelhecidos como aguardentes e dedos tremeliques a entornar o álcool no copo. Na Caixa, Cassa, cassa secca, cassa di vite, cassa bianca, cassa nova, Casanova, cassata, caixa registadora, uma mulher de peito vasto cruzava os braços e dizia vamos ouvir um pouco de música. Arrastou-se para um canto do bar e encostou-se ao balcão onde anoiteciam umas focaccias com legumes e uns pães com prosciutto e mozzarella. Espetou os dedos com a cassete na ponta e perguntou o que é isto? O lado escuro da lua, disse ela para ela, absolutamente só naquele dialogo, porque o criado mais novo servia um Campari a uma rapariga de preto que tinha entrado. Um Campari às dez da noite, mais um pires com amendoins salgados, podia começar-se um romance com isto, esta rapariga a entrar sozinha no Bar Americano da cidade que chovia com a praça deserta e iluminada com grinaldas de Natal verdes e encarnadas como os muranos das lojas de recordações, e a rapariga de chapéu preto de feltro ia despindo as luvas pretas para tocar no Campari gelado que o criado novo lhe servia com um sorriso e como quem oferece rosas vermelhas. Fora da porta, um indiano solitário estava abraçado a um ramo de rosas vermelhas e oferecia-as a inexistentes transeuntes, viajantes nocturnos. Nem um e nem uma rosa. Fiori? Cinco euros. A noite não estava para rosas, com a água a entrar pelas ruas, o frio a entrar pelos ossos, e em tudo uma falta de vida, a vita senza fiori, ao contrário da promessa do licor. A mulher enfiou a cassete no gravador e saíram os acordes sinfónicos dos Pink Floyd, podia ser um título de uma zurrapa italiana num bar americano de uma cidade qualquer numa noite de Inverno. Quero um cálice de pink floyd, sem gelo. E um pires de amendoins salgados. Lá fora, o indiano aguentava imóvel e molhado da chuva, abraçado às rosas dentro do plástico transparente, a olhar para a laguna como se esperasse alguém. Fiori? Indianos com rosas vermelhas e bares americanos existem em toda a parte, as raparigas de preto solitárias com Camparis vermelhos dependem da latitude. So you run and you run to catch up with the sun but it’s sinking... the sun is the same in a relative way but you’re older, shorter of breath and one day closer to death. A cassete cantava. A mulher de peito gordo remirava a cena e o criado velho acordou de repente da contemplação de um cartaz que anunciava gelados de fruta e de chocolate e cheirava a Verão e disse, são os pink floyd, the dark side of the moon. Talvez não fosse tão velho, pelo menos não tão velho como a aguardente. Um sopro de gelo entrava pelo bar dentro quando a porta se abria, um casal olhou, ficou a meio, viu o cenário, a peça, as personagens, leu o programa, teve uma intuição breve do largo desolado chamado Bar Americano e fugiu à procura de outro lugar que é o que fazemos todos quando encontramos a solidão nocturna que não nos pertence. O criado velho começou a limpar garrafas aprumadas em cor-de-rosa que anunciavam Bellinis, A Bebida Veneziana! Bellinis prontos-a-beber, sem Harry’s Bar, sem ingleses excêntricos, sem estilo, sem mistério. Bellinis de plástico, pêssego e prosecco, a zurrapa, quero um pink, pink, pink floyd. E um pires de amendoins. Pinga solidão e solitudine no Bar Americano, escorre pelas paredes com a humidade, cola-se às roupas como visco, e a rapariga do Campari tira o chapéu e os cabelos desfazem-se em desapontamento. Se ela fosse ruiva, uma figurinha do Quattrocento, uma madonna de Rafael, uma Vénus de Botticcelli, uma pré-rafaelita inglesa nua num lago verde, se ela fosse bela serviria para o criado novo passar a língua pelos dentes com gula e para o criado velho deixar de limpar a maldita bebida de Veneza e sentir um calor no corpo. Mas... não. Era o pêlo descorado, a cara que se esquece logo, o casaco coçado. O Campari era a sua originalidade, o adiantado da hora o seu não-sei-quê, ou talvez o modo como ela debicava os amendoins com casca, esfregando-os nos dedos para retirar o sal antes de os meter na boca com lentidão e sem som. Um não-sei-quê, um não-sei-que-faço-aqui, que é a pergunta que fazemos todos no silêncio do bar Americano pelas dez da noite da estação errada do ano. And everything under the sun is in tune but the sun is eclipsed by the moon. Quer um gelado de solitudine e chocolate? E o bellini é uma bebida idiota e não se compara com o champanhe bruto e seco. E quem se importaria com essas coisas?, no bar Americano não devem saber onde fica o Iraque que faz naquele dia mil dias de guerra. Nas cidades da chuva os desertos são diferentes, estão dentro das pessoas, na pele das pessoas, nas cavernas do criado velho, nas dunas da mulher da Caixa, na areia serradura do chão, sawdust restaurants with oyster shells como queria o prufrock na canção de amor. Nos desertos das pessoas não há sol nem amor como nos licores, fior di vite, julia nova, menta, prugna, elixires da embriaguez. Lá fora, tinha deixado de chover e o indiano fitava a água negra da noite e talvez visse uma miragem. Fiori? O criado novo recolheu as moedas da rapariga do Campari e voltou-se para a mulher da caixa e disse é ali naquele deserto que tem de pagar. Na registadora. Não que lhe importasse, a rapariga era feia. Uma raspa de beleza teria iluminado o bar, e talvez tivesse ficado de dia, quando a luz traz a varinha mágica e transforma os sapos em príncipes e os bares americanos em breves encontros. The bright side of the sun.

Era hora de fechar."

Já somos 2 com estômagos de aço!

"Vacas sagradas"
Jorge Fiel

Expresso - 17/12/2005

"DEVO uma parte substancial da minha barriga, bem como uma extraordinária resistência a todos os tipos de intoxicação alimentar, à mania de me recusar terminantemente a atirar comida para o lixo.

Era miúdo de calções quando os meus pais me tatuaram este hábito. Em minha casa, desperdiçar alimentos, «quando há tantas crianças por este mundo fora a morrerem de fome» (palavras da minha mãe), era um pecado tão grande como roubar ou mentir.

Terça-feira à noite, os restos de jantar de sábado marcharam todos, apesar do mozarela fresco da salada de tomate estar já com um sabor estranho e da fatia de salmão marinado se apresentar com a cor adulterada.

Como é uma grande dor de alma para mim deitar comida ao lixo, sou bastante indulgente com os prazos de validade inscritos nas tampas dos iogurtes. E só capricho no rigor ao raspar o bolor que teima em se apoderar das minhas reservas de queijo Ilhas e Manchego porque sou alérgico à penicilina.

Em casa, uso a bateria de 14 diferentes «tupperwares» de todos os formatos que comprei no Ikea por €3.99 (uma verdadeira pechincha!) para acondicionar as sobras das refeições. No restaurante, armazeno os restos dentro de mim. Posso estar já saciado, mas não suporto deixar comida no prato e até me desagrada ver travessas cheias a regressarem à cozinha. Tenho simpatia pelo modelo norte-americano do «doggy bag», que mais tarde ou mais cedo se vai instalar na Europa. Já há muitas pizarias a incentivarem os clientes a levarem para casa as fatias não consumidas em práticas embalagens de papel «kraft».

A minha grande admiração pela cozinha italiana fundamenta-se no facto da confecção dos seus pratos emblemáticos (pizas e «risottos») se adequar ao aproveitamento de restos. O truque consiste em adicionar as sobras que se acumulam no frigorífico em cima de massa de pão, tomate, queijo e levar tudo ao forno (caso da piza); ou de misturando as sobras com o arroz e ir mexendo, não esquecendo de acrescentar uma dose generosa de parmesão (caso dos «risottos»).

Nós próprios temos a boa tradição de comer roupa velha ao almoço de Natal. Ora o que é a roupa velha senão o aproveitamento do bacalhau com batatas e couves que sobrou da véspera?

Os indianos não comem vacas, que na sua cultura são um animal sagrado. Mas onde as vacas são realmente um animal sagrado é na UE. Uma vaca europeia custa, em subsídios, dois euros por dia. Muito mais do que recebem 1,2 biliões de pobres que passam fome neste mundo. Um estudo do Banco Mundial calcula que o fim dos subsídios aos agricultores na UE e Japão chegariam para arrancar à pobreza 140 milhões de seres humanos, nossos irmãos.

Os 44 mil milhões de euros que custa por ano a Política Agrícola Comum são um insulto, uma soma pornográfica - dinheiro que chegava para fazer quatro linhas de TGV Lisboa-Madrid e Lisboa-Porto e cinco aeroportos da Ota.
Já sabem que sou incapaz de deitar ao lixo um bocado de pão seco de quatro dias sem ouvir na minha cabeça a voz da minha mãe a lembrar-me: «Olha que é pecado desperdiçar comida quando há tantas crianças no mundo a morrerem de fome».

Por isso, espero que compreendam e partilhem a enorme revolta e desprezo que me merecem os dirigentes da UE que atiraram para um beco a cimeira da OMC que está reunida em Hong Kong e me deixam com vontade de me referir a eles com os mesmos termos que um adepto de futebol costuma dedicar ao árbitro que marcou um penálti injusto contra o seu clube."

5 aninhos

"O futuro da Galp e de Amorim"
Nicolau Santos

Expresso - 17/12/2005

"A COMPRA de mais de um terço do capital da Galp por parte de Américo Amorim merece uma séria reflexão. É que sob a capa de se estar a tentar resolver um problema - a posição dos italianos da ENI, que controlam uma minoria de bloqueio e podem chegar aos 43% - pode estar-se a arranjar outro bem mais irremediável a prazo.

Amorim tem um notável trajecto empresarial no sector da cortiça, onde é líder mundial. Foi fundador do maior banco privado português, o BCP, e investiu nas telecomunicações, estando no núcleo inicial da Telecel. Nunca deixou de apostar no sector financeiro e hoje é o maior accionista privado do espanhol Banco Popular. E o sector imobiliário e turístico também estiveram na sua mira.

Acontece, contudo, que nos últimos anos Américo Amorim tem trocado as suas posições industriais por participações financeiras, i.e. tem trocado o que exige capacidade de gestão por liquidez imediata. Pode ser coincidência mas foi o que fez António Champalimaud nos últimos anos de vida, ao concluir que entre os seus filhos vivos não havia nenhum com condições para lhe suceder. E acontece também que Amorim entra e sai com facilidade dos negócios onde investe, com excepção da cortiça.

Ora se isto é assim, este investimento na Galp corre o sério risco de não ser estrutural, mas apenas pelo prazo de cinco anos em que Amorim não pode vender a participação. Há ainda outros dois riscos. O primeiro tem a ver com os accionistas que o empresário traz para a Galp: que mais-valia acrescentam à petrolífera portuguesa? O segundo tem a ver com o facto do financiamento da operação ser garantido por duas instituições financeiras espanholas, o Banco Santander e a Caja Galiza. O que acontece se alguma coisa correr mal?

O Governo e Amorim assumem uma pesada responsabilidade nesta operação. O Governo porque aceitou esta solução sabendo que havia outros grupos portugueses interessados. Amorim porque se tornou uma peça-chave no futuro da única petrolífera nacional. Daqui a cinco anos falamos."

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Mundo estranho

"A partir de Janeiro
Hospital suíço autoriza suicídio assistido"
19.12.2005 - 11h10
Público

"Pela primeira vez na Suíça, um hospital vai autorizar, a partir de Janeiro, uma organização de ajuda ao suicídio a assistir um doente terminal dentro das instalações da unidade, informou anteontem o presidente do hospital universitário do cantão de Vaud, em Lausanne.

O doente poderá autorizar a intervenção da associação Exit ou de outro médico da escolha do paciente, quando o doente que queira morrer não possa ser transportado para sua casa. O pessoal prestador de cuidados médicos, seja clínico ou enfermeiro, será livre de acompanhar ou não o suicídio. A ingestão de um cocktail provocando a morte será feita pelo paciente.
O hospital de Lausanne enviava os doentes que quisessem morrer para casa, onde podiam recorrer a organizações que ajudam no suicídio assistido, mas para isso precisavam de conseguir sair da unidade de saúde pelos seus próprios meios. A unidade hospitalar torna-se assim na primeira a permitir o acesso destas organizações ao interior do hospital.
O suicídio no hospital só será permitido sob regras muito estritas, que prevêem que o doente esteja em estado terminal, que seja capaz de tomar decisões e que mantenha a sua sanidade mental. Ao mesmo tempo, têm que lhe ter sido propostos cuidados paliativos. Ajudar ao suicídio é legal na Suíça, mas a eutanásia - por exemplo, quando um médico dá uma injecção letal a um doente que o pediu - não é."

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Cedências...

"Casa Branca cede
Administração Bush aceita abolição da tortura para suspeitos de terrorismo"
16.12.2005 - 10h49 Rita Siza
PÚBLICO

"Ao fim de meses de oposição e impasse, a Casa Branca cedeu à pressão e finalmente concordou ontem com uma proposta de lei que elimina o "tratamento desumano, cruel e degradante" de suspeitos de terrorismo detidos sob a custódia dos Estados Unidos. O Presidente George W. Bush, que anteriormente tinha ameaçado vetar o projecto de lei da autoria do senador republicano John McCain, alegando que este diminuía a capacidade de actuação das várias agências envolvidas na guerra ao terrorismo, celebrou ontem o entendimento com o poder legislativo.

Bush sublinhou que a sua decisão vem comprovar, em definitivo, que "os EUA não praticam a tortura e respeitam todas as convenções internacionais relativas à tortura", nas prisões nacionais ou fora do seu território.
O acordo exclui a a anterior exigência da Casa Branca (veementemente defendida pelo vice-presidente Dick Cheney) da consagração de um regime de excepção para as actividades da CIA, isentando igualmente os seus operacionais de quaisquer responsabilidades no caso de virem a ser judicialmente acusados pela prática de actos de tortura. Pelo contrário, a Administração aceitou agora que os interrogadores da CIA sejam sujeitos ao mesmo regime dos restantes militares - alguns dos quais foram já condenados em tribunal militar pela forma como trataram prisioneiros em Abu Ghraib, no Iraque.
Um braço-de-ferro
Há meses que John McCain, um veterano de guerra sujeito a tortura durante o seu cativeiro no Vietname, mantinha um braço-de-ferro com a Administração. O senador sempre recusou adendas ao seu projecto, e esta posição acabou por arrecadar o apoio da maioria republicana do Senado e da Câmara de Representantes. Significativamente, a câmara baixa do Congresso tinha acabado de votar, com uma confortável maioria de 308 votos a favor e apenas 122 contra, uma iniciativa a solicitar a consagração da abolição da tortura no âmbito de um pacote legislativo mais vasto e que abarca o orçamento para a defesa para o ano fiscal de 2006.
Em defesa da proposta de McCain, o congressista democrata da Pensilvânia John Murtha, outro veterano de guerra, notava ontem que "palavras como "tortura", "crueldade" e "abuso" remetem para imagens de ditaduras brutais. Estas palavras, associadas a esses regimes odiosos, não devem constar do léxico dos EUA", declarou. "Não podemos torturar os nossos detidos e querer manter a nossa posição moral perante o mundo. Não pode haver excepções para o uso da tortura. ", acrescentou.
Pelo seu lado, o republicano Bill Young, manifestou algumas reservas, considerando que a proposta de McCain concede a suspeitos de terrorismo demasiadas liberdades. "Tenho algumas dúvidas em aprovar uma provisão que garante aos terroristas exactamente os mesmos direitos constitucionais que os cidadãos cumpridores da lei", disse.
Segundo o anterior entendimento da Administração Bush, o tratamento de prisioneiros detidos no âmbito da guerra ao terrorismo em território estrangeiro não obedece aos mesmos critérios dos prisioneiros de guerra "convencionais". Os EUA negam o recurso à tortura, mas vários grupos de defesa dos direitos humanos têm acusado a Administração de ter uma noção demasiado ambígua sobre o que constitui tortura, documentando tácticas de interrogatório que incluem simulações de afogamentos ou de execuções."

Pátrias

"O patriotismo"
Vasco Pulido Valente
Público - 16/12/2005

"Aparecem nesta campanha meia dúzia de ideias que mereciam ser discutidas, mas que se perderam na confusão geral. Uma delas veio em parte de Manuel Alegre e é a ideia de patriotismo. Não que Manuel Alegre tenha explicado muito bem o que pensa. Se, por um lado, se diz patriota, por outro também se diz cosmopolita, sem se aperceber que uma coisa excluiu a outra. De qualquer maneira, levantou a questão de saber em que pode assentar hoje o patriotismo português. Uma questão interessante: porque, tirando um cego amor à terra onde se nasceu, mesmo no caso extremo da Lapónia ou Alguidares-de-Baixo, o patriotismo precisa normalmente de uma razão: a paisagem, uma forma particular de sociedade, uma situação privilegiada no mundo, o que se quiser. Ora, do princípio do século XIX até agora, o patriotismo português foi sempre, na essência, "retrospectivo". Mais precisamente, ignorou o Portugal moderno, em que nunca encontrou qualquer motivo de satisfação ou de orgulho, e glorificou o Portugal do século XV e do século XVI de que Os Lusíadas se tornaram o emblema. A famosa polémica de Eça com Pinheiro Chagas, que fez rir gerações, não passa da crítica à devoção "histórica" de Chagas, que Eça acusa de ignorar e, pior ainda, de esconder o país fraco, mesquinho e miserável de 1880. Depois disso, o patriotismo republicano, que assentava numa consciência aguda da inferioridade indígena, não trouxe nada de novo (basta ouvir o hino), excepto o ódio à Inglaterra, vista (erradamente) como inimiga em África e sustentáculo dos Braganças na Europa. E, por fim, Salazar, o representante por excelência da contra-revolução (e não do fascismo, evidentemente), empurrando Portugal para uma espécie de Idade Média mítica (os castelos reconstruídos com cimento, a nostalgia da vida rural, a cultura popular, a extraordinária exposição de 1940), tirou definitivamente o patriotismo da realidade e, a seu tempo, pregou connosco na suprema irrealidade da guerra colonial.
E em 2005: onde se irá buscar o fundamento para o amor da Pátria? Num Estado eficiente, numa democracia exemplar, numa sociedade inovadora e próspera, na integridade do ambiente, na ordem urbana, na ciência, na cultura humanística, na cozinha, na arte? Ou num mirífico papel internacional que só existe para a propaganda e a retórica? O bom senso deve supor que não. Fica, é claro, o patriotismo do futebol e das bandeirinhas do Euro. Será esse que Manuel Alegre anda por aí a recomendar?"

A despedida

"Catorze anos"
Miguel Sousa Tavares
Público - 16/12/2005

"Comecei a escrever no PÚBLICO em 1991. Estamos em 2005: foi há 14 anos, com uma interrupção de ano e meio, entre 2002 e 2003.Quando comecei, apanhei logo de entrada com a iminência da guerra do Golfo, na sequência da anexação do Kuwait pelo Iraque, de Saddam Hussein. A questão suscitou nas páginas do PÚBLICO um intenso debate sobre a justificação moral e política para a guerra, o papel que nela deveriam ter ou não ter o Ocidente, a Europa e Portugal. Esse debate, e posteriormente a cobertura da própria guerra, constituíram, a meu ver, a carta de alforria do PÚBLICO - ninguém mais, na imprensa portuguesa, atribuiu a esse genuíno momento de escolha e de definição política a importância que o PÚBLICO lhe atribuiu - e que mereceu uma surpreendente adesão e compreensão por parte dos seus leitores. Desde o início, defendi e em minoria clara, a legitimidade da guerra e o dever de a Europa e Portugal serem solidários nela com os Estados Unidos. Tratava-se, a meu ver, de não deixar passar em claro uma anexação pela força, sem qualquer título de legitimidade, de não ficar de braços cruzados a ver um ditador louco iniciar a conquista do Médio Oriente e preparar-se para se sentar em cima de dois terços das reservas mundiais de petróleo para depois ditar ordens ao mundo. E tratava-se, para nós portugueses, de adquirir a legitimidade específica que mais tarde nos permitiria exigir dos americanos o seu apoio à libertação de Timor - cuja ocupação era em tudo semelhante à do Kuwait. A guerra fez-se, foi rápida, "limpa" e politicamente exemplar. Quanto a nós, ficámo-nos pelas meias-tintas: solidários, sim, mas desde que não comprometêssemos nem meios nem homens.
Governava então, no apogeu da maioria absoluta, Aníbal Cavaco Silva. Não consegui evitar nunca uma incurável embirração pelo cavaquismo, mais do que pelo seu mentor. De um ponto de vista prático, reconheci a importância das obras feitas, o crescimento económico possibilitado pelo muito dinheiro aplicado, que os fundos europeus e o petróleo barato proporcionaram. Mas fui constatando e escrevendo que nenhuma verdadeira reforma tinha sido ensaiada, apesar das excepcionais condições para tal. Hoje, continuo a pensar que a generalidade dos problemas que enfrentamos e a desesperança que se instalou têm origem directa nesses anos (depois acrescentados aos do guterrismo), em que nada de essencial se mudou na educação, na justiça, na saúde, na reconversão agrícola e industrial e, sobretudo, numa cultura política e cívica fundada no mérito, na coragem de correr riscos, na liberdade individual e na separação entre o Estado e os negócios privados. Pelo contrário, o cavaquismo instalou a promiscuidade entre os empresários e o poder político, a subsidiodependência, a mentalidade dos jobs for the boys, o enriquecimento sem causa e a obediência e subserviência como dever cívico. Cumulada de dinheiro, lugares e favores, a grande oportunidade europeia transformou-se na grande oportunidade para virem ao de cima e florescerem impunemente os piores defeitos dos portugueses. Em lugar de riqueza o país produziu apenas novos-ricos, em lugar de desenvolvimento obras de fachada, em lugar de qualificação negócios desonestos com os dinheiros do Fundo Social Europeu, em lugar de reconversão agrícola e ordenamento do território Porsches, subsídios para nada fazer e urbanizações nas falésias do Algarve.
Os primeiros anos de António Guterres foram um momento de esperança, pelo menos no ar que se respirava. O cavaquismo caiu no justo momento em que o culto da personalidade do chefe e a demissão cívica dos oportunistas se estavam a tornar numa doença feia. Mas, rapidamente afectado por problemas familiares graves, Guterres começou a "deixar andar", entregando a governação aos "cardeais", "bispos" e "sacerdotes" do novo socialismo. A ganância não tem cor ideológica e o resultado foi trágico. O "bloco central", governando à vez, desperdiçou os 20 anos mais propícios do país e temo que, de facto, o tenha tornado inviável para sempre.
Com a deserção de Guterres, o país, sem grande convicção nem ilusões, teve de escolher a única coisa que lhe apresentaram: um governo PSD-PP, chefiado por um senhor muito simpático mas totalmente desprovido de uma simples ideia para Portugal: Durão Barroso. Governou o menos que pôde e, ao primeiro sinal de alarme, agarrou o primeiro comboio que passava e fugiu - literalmente -, deixando-nos entregues nas mãos do impensável Santana Lopes. Para grande espanto meu, ainda houve almas piedosas que reclamaram para isto o "benefício da dúvida". Eu cá não: estão aí os arquivos do PÚBLICO para provar que, ainda ele não tinha tomado posse, e já eu antevia um país transformado em anedota. Sampaio demorou nove meses até perder definitivamente a vontade de rir. Hoje, podemos especular se o Presidente foi o mais calmo e o mais avisado de todos, escolhendo queimar friamente Santana Lopes, em lugar de o recusar liminarmente. Talvez ele tenha tido razão, mas a verdade é que com isso se perdeu mais um ano. E, enfim, chegámos aonde estamos agora, cedo de mais ainda para fazer um juízo.
Nestes 14 anos de escrita, agarrei dezenas de temas e algumas poucas causas que me pareceram determinantes. Acho que fui dos primeiros a alertar para o descalabro para que caminhava a justiça, confundindo-se independência das funções com impunidade funcional; dos primeiros a alertar para as consequências de toda a ordem que a falta de uma política de ordenamento territorial e de defesa da paisagem e do ambiente iriam causar, aliadas à irresponsabilidade ou venialidade daquilo a que chamei "o poder fatal" - as autarquias. Uma e outra coisa foram causas perdidas.
Anos e anos a fio, insurgi-me contra a cobardia diplomática de Portugal face à questão de Timor. Alguém que muito respeito respondeu-me uma vez que Timor era a "causa romântica" de alguns jornalistas, cuja "militância" impedia a resolução definitiva do problema através das inevitáveis "soluções pragmáticas". Felizmente, contra toda a esperança, por uma vez os "românticos" venceram os "pragmáticos".
Também escrevi até me cansar contra a regionalização dos socialistas, que, confundindo descentralização com desorganização, iria dividir o país em oito coutadas para oito Albertos Joões Jardins regionais, tornando Portugal definitivamente ingovernável. A causa estava perdida à partida, mas, a partir do momento em que se conseguiu esclarecer as pessoas e forçar os políticos a consultar os portugueses, transformou-se numa vitória exemplar.
Escrevi a favor da intervenção na Somália e contra a segunda guerra do Iraque, a favor da Expo-98 e contra o Euro 2004, a favor dos toiros de morte em Barrancos e contra a política nacional de conivência com os governos corruptos dos PALOP, contra os submarinos da Armada e a favor da despenalização do aborto, etc, por aí fora. Não sei se no final sobra alguma coerência ou unidade de pensamento entre questões tão diversas, expostas num total de mais de 600 artigos de opinião. Mas três coisas me consolam: uma, saber e poder dizer que escrevi sempre com convicção e sinceridade e bastas vezes contra o que a prudência aconselharia; outra, que aqui encontrei sempre um espaço de absoluta liberdade e um jornal onde tive orgulho de escrever; e a terceira é que guardo numa gaveta de casa, a benefício de futuras nostalgias, o que tantos leitores me foram por sua vez escrevendo ao longo dos anos e que tantas vezes serviram de estímulo real para continuar.
Este breve balanço, como já perceberam, é uma despedida. Catorze anos chegam hoje ao fim. Naturalmente. Sem rancores e já com inevitáveis saudades. A partir de agora, passo a ser só mais um leitor às sextas-feiras."

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Cidades talvez não

"Caracas by car"
Clara Ferreira Alves
Expresso - 10/12/2005
"Quando pergunto onde é que se pode caminhar, em Caracas, toda a gente me responde o nome de um centro comercial, e cada um tem o seu. Vá ao Sambil, o maior de todos. Vá ao San Ignacio, o mais bonito, tem uma arquitectura e uma iluminação de luxo, vida nocturna, bares e discotecas. Vá ao CCT Tamanaco, o das boas lojas. Vá ao Recreo, que é mesmo ao lado do seu hotel. Não, respondo eu, caminhar pelas ruas, passear, ver montras, pessoas, paisagens, árvores, casas, o que seja, caminhar por dentro da cidade. Ah, respondem todos, isso não aconselho, é perigoso, questão de segurança, muitos assaltos, muitos roubos, muita violência. Aqui anda-se de carro, e ainda bem que existem os centros comerciais, são perímetros controlados de segurança, está-se muito melhor, é um alívio, e o ar é condicionado. No último dia, resolvi ignorar as normas de segurança e passear nas ruas perto do meu hotel, numa zona da cidade não muito recomendável, e não muito atraente, cheia de paragens de autocarros, vendedores ambulantes, casas de gelado decrépitas e casas de comida típica, areperas, comércio e gente em ziguezague apressado. Não se pode dizer que a capital da Venezuela seja um modelo de desenvolvimento ordenado e harmonioso, pelo contrário, Caracas é a ilustração do modo imperfeito de construir uma cidade, sem plano, sem direcção, sem gosto, e com muito dinheiro nalguns lugares e nalguns bolsos. Caracas é o modelo daquilo em que Lisboa se está a transformar ali para os lados da cintura periférica, com as suas auto-estradas encostadas aos prédios, a fila constante de carros como transporte único e principal, os condomínios privados, a arquitectura pimba (a de Caracas é melhor do que a nossa), os guetos de ricos e de pobres, a mancha de favelas a abraçar a cidade, a ausência de jardins, de passeios, de peões, de pequeno comércio, de ruas habitadas, um centro histórico abandonado ao cair da noite, a abundância de centros comerciais como focos de lazer e «perímetros controlados de segurança». Apesar da sujidade das ruas, dos prédios roídos, da confusão da multidão, dos encontrões e das bichas, prefiro qualquer uma dessas ruas do centro de Caracas, o seus caos e a sua agitação, ao sopro gelado do ar condicionado e à vertigem das escadas rolantes para cima e para baixo, com as pessoas parecidas com hamsters nas rodinhas, para cima e para baixo, para chegar à franchise mais próxima. Nas ruas sente-se o trópico, e aquilo que Gabriel García Márquez escreve em «El Olor de la Goyaba», o cheiro da goiaba. Prefiro o calor que sobe da terra em certas horas como um vapor húmido, as árvores com flores abertas como mãos brancas, as raízes a romper os passeios como cobras enroladas, a mistura do suor com os fritos e o perfume que entra pelas narinas e atordoa. Ali sente-se o trópico e não faz frio, ao contrário de Lisboa, que em certos dias de chuva e bruma, de cinza e Inverno, parece uma pobre cidade mal enfeitada, construída pela ganância e a especulação imobiliária, mobilada por empreiteiros e novos-ricos. Olhem para Caracas e reparem no que aconteceu, no que correu mal. E nem sequer temos a população jovem que a Venezuela tem, com as suas adolescentes viciadas em cirurgia plástica, dizem-me, e em concursos de misses. O grande orgulho nacional é o título de Miss Universo, parece que todas as misses universais são ou tendem a ser venezuelanas. Por cá temos futebolistas e estádios de futebol, cada um com os seus esplendores. Não temos o petróleo que eles têm. O Presidente Chávez, inimigo dos Estados Unidos, amigo de Fidel Castro e dos monólogos televisivos monocórdicos (o programa «Olá Presidente» é comparável a um desses discursos de Castro que só acabam quando Castro quer e com a audiência morta de tédio), o Presidente Chávez está sentado em cima de barris de petróleo, que passou de 20 bolívares em 2001 para 60 bolívares o barril em 2005, façam as contas das divisas que entram graças aos poços de Maracaibo. A água é mais cara que a gasolina. E agora, nas eleições confusas do fim-de-semana, com a retirada da oposição, Chávez tem uma maioria absoluta no Parlamento venezuelano, e rédea larga para mais olás, muitos olás. Chávez é odiado e amado, um chefe democraticamente eleito que tem tiques de ditador imperial e militar desfardado. Chávez adora-se, isso é claro, e os espanhóis não desgostam dele, acabam de fechar um negócios de dois mil milhões de euros em armamento e equipamento militar (fins civis, diz Espanha), para grande desgosto dos americanos, que acham que isto põe em causa o equilíbrio da região, sendo o equilíbrio da região aquele que o Pentágono e a Casa Branca definem. Espanha sempre soube tratar dos seus interesses com vigor, o vigor que nos falta, apesar de a comunidade portuguesa no país ser activa, próspera e enérgica e dotada de todas aquelas qualidade empreendedoras que parecem faltar pela pátria, chafurdando na lamúria e na burocracia do Estado, afogada em dívida e desperdício, escândalo e dúvida. No estrangeiro, posto perante a adversidade e a aventura, liberto da pressão dos seus pares, o português transforma-se num herói, uma personagem d’«Os Lusíadas». Os portugueses com quem falo contam-se e contam-me bocados das suas histórias pessoais, vidas feitas e desfeitas e refeitas, sem queixas nem enfados, com uma intensidade despida de cinismo e de chupeta. No estrangeiro, vemo-nos noutro espelho, mais claro, mais largo, mais perto do que não somos por cá. A lucidez com que os portugueses com quem falei apreciam e comentam o país onde vivem não os impede de o amar, e nem um, muito menos os filhos dos emigrantes, tem a intenção de deixar a Venezuela e regressar à terra. Contagiada pelo calor tropical, começo a preferir os restaurantes de Las Mercedes e a música dos mariachis, o cheiro da carne a assar nos varapaus e dos doces de leite condensado, das panquecas de milho com nata, ao faduncho lusitano e às preocupações diárias da nossa civilização funcionária. Hamster por hamster, antes com o cheiro da goiaba. E Caracas, com os seus bairros ricos, os seus arranha-céus, tem as árvores, a vegetação, e a mancha verde do Ávila, a montanha verde-escura que rodeia a metrópole e lhe dá oxigénio. Não, não é o Monsanto prostituído, é uma floresta tropical enfeitada com nuvens, que transforma a paisagem num cenário de filme de aventuras, como um vulcão adormecido. Nenhuma cidade, como nenhuma mulher, é inteiramente feia."

Economia Aplicada I

"Leitão da Bairrada"
Jorge Fiel
Expresso - 10/12/2005
"NA MINHA opinião o melhor leitão assado à moda da Bairrada não se come na Mealhada mas sim no Vidal, um restaurante que fica em Aguada de Baixo e é usado diariamente à hora do almoço como cantina melhorada por empresários, gestores e directores das empresas da próspera região de Águeda.
O Vidal está instalado numa casa tipo «maison», próximo da fábrica da Revigrés, e serve um leitão assado em forno de lenha com um sabor diferente, para muito melhor, do que é apresentado pelos seus concorrentes da Bairrada.
Uma pequena investigação junto de amigos e conhecidos, permitiu-me chegar a umas primeiras conclusões sobre a origem das diferenças entre o sabor do leitão da Mealhada e o do Vidal.
Na Mealhada, a uma dezena de quilómetros e duas dezenas de rotundas da saída da A1, está o «cluster» de restaurantes de leitão, onde o bácoro é vendido à dose ou ao quilo - sendo esta última hipótese bastante usada pela clientela, não só para consumir à mesa como também para levar embalado para casa.
O preço de referência do quilo não varia muito de restaurante para restaurante na região demarcada da Mealhada - a cotação oscila entre os 25 euros do Stop e os 30 euros da Meta dos Leitões.
O peso da venda a quilo do leitão assado na facturação dos restaurantes tem importantes repercussões na qualidade final do produto.
A ocasião faz o ladrão e a venda a quilo leva os donos dos restaurantes a caírem amiúde na tentação de se abastecerem com leitões com mais de cinco quilos - ou seja, já quase porcos adolescentes.
Depois, há o problema do estágio do reco no forno de lenha. Quanto mais tempo lá estiver, mais gordura e peso perde - ou seja, menor é a receita final. O que configura uma segunda tentação para os empresários de restauração - a de aumentar o período de cozedura (operação durante a qual o animal não perde peso) e reduzir ao mínimo indispensável a permanência no forno, onde só está o tempo de levar uma entaladela que lhe confira o apetitoso e característico aspecto tostado.
No Vidal, o leitão é vendido só à dose. O que, aliado ao facto de não ter concorrência nos arredores de Aguada de Baixo, lhe permite trabalhar com leitões mais pequenos e deixá-los no forno o tempo necessário até ficarem bem mais saborosos e com pele estaladiça a brilhar.
Regra geral, a livre concorrência é óptima para os consumidores - porque reduz os preços e aumenta a gama de oferta - e é magnífica para as empresas, que aumentam a sua eficiência. Mas o caso do leitão assado à moda da Bairrada ensina-nos que nem sempre a concorrência estimula a qualidade.
Sem questionar a eficácia da mão invisível, a verdade é que o mercado entregue a si próprio nem sempre traz a felicidade."

Esta história do Mourinho já começa a parecer amor...

"5 reflexões sobre uma visita a Angola"
Nicolau Santos
Expresso - 10/12/2005
"A RECENTE visita a Angola do ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas do Amaral, permite retirar um conjunto de ilações e ensinamentos, sobre os quais vale a pena meditar, com o objectivo de Portugal consolidar uma parceria estratégica com o grande país africano irmão.
1 Há cinco razões que explicam que Angola esteja a viver um período completamente diferente daquele que atravessou até 2002. A primeira é a paz, irreversível, que permite que todas as energias se concentrem agora na reconstrução do país. A segunda é a abertura política, que se traduz não só na existência de oposição e de um parlamento multipartidário, mas sobretudo numa imprensa independente, ainda frágil, mas que critica sem reservas o poder e denuncia
decisões e actos errados ou obscuros. Em terceiro, essa liberdade de opinião estende-se já a vários sectores, nomeadamente o universitário, onde vi e ouvi os estudantes colocarem questões, muito aplaudidas, a Freitas do Amaral, na presença de importantes membros do Governo angolano, que não passaria pela cabeça de ninguém fazer há cinco anos - por exemplo, como é possível Angola afirmar-se como potência regional com dirigentes que se eternizam no poder, com grandes desigualdades sociais e com elevados índices de corrupção. Em quarto, o elevado preço do petróleo tem permitido a Angola saldar os contenciosos financeiros com diversos países, entre os quais Portugal, condição necessária para encetar uma nova fase nas relações comerciais e de investimento com esses parceiros; e quinto, a enorme linha de crédito aberta pela China, no valor de dois mil milhões de dólares, vai permitir a recuperação, num prazo de três a cinco anos, de grande parte das infra-estruturas ferroviárias e rodoviárias, tornando utilizáveis os canais de distribuição e abastecimento às populações por todo o país, que, como se sabe, é 14,5 vezes maior que Portugal.
2 Neste quadro, esta visita marca efectivamente o início de uma nova etapa no relacionamento entre os dois países, não só pelo pragmatismo de que o ministro deu provas, garantindo a resolução de casos concretos emperrados há anos pela burocracia, como pela empatia que foi visível com o MNE angolano, João Miranda, como pelo prestígio que desfruta em Angola, já que os estudantes de Direito se orientam pelos seus livros.
3 É um novo quadro que deverá ficar sedimentado aquando da visita a Angola do primeiro-ministro, José Sócrates, na segunda quinzena de Março. E na verdade, a entrada em funcionamento das novas instalações da Escola Portuguesa em Luanda no próximo ano lectivo, com capacidade imediata para 1200 alunos, mas que chegará aos 2000; a criação do grande Hospital Português de Luanda; o apoio do ICEP à criação de plataformas logísticas comerciais, nomeadamente de mercados abastecedores e de redes de armazenamento, frio e distribuição de produtos alimentares; o aumento substancial, dos actuais 100 milhões para mais do dobro, da linha de crédito que garante as exportações portuguesas para aquele mercado; a decisão de tornar o consulado de Luanda como o modelo do que será a nova rede consular portuguesa, tudo isto demonstra pragmatismo, vontade de resolver problemas, apoiar naquilo em que obviamente temos vantagens em relação a chineses, espanhóis ou brasileiros - e cria certamente as condições para um novo relacionamento luso-angolano, na base da igualdade e respeito mútuo.
4 É claro que há arestas a limar. O programa do ensino secundário da Escola Portuguesa de Luanda, idêntico ao ministrado em Portugal, tem de ser adaptado à realidade local e incluir uma cadeira de história e geografia de Angola. O novo hospital tem de ser bem negociado entre o Estado português e os privados, para que depois do anúncio da iniciativa ela acabe mesmo por se concretizar. E o Banco de Portugal pode certamente olhar para o mercado angolano, que está em rápida mutação, e melhorar a sua apreciação, que o coloca no patamar do «risco máximo», obrigando os bancos nacionais a provisionar 25% dos créditos que concedem às exportações para Angola.
5 A visita de Sócrates a Luanda não só pode resolver todas estas pequenas questões ainda pendentes, como lançar outras pontes para o futuro. A realização de uma grande conferência de investidores portugueses nessa altura será certamente um marco. É importante que todos os grandes grupos nacionais estejam presentes, inclusive Belmiro de Azevedo, o único grande empresário português sem investimentos em Angola. E que bom seria se fosse possível dar uma enorme alegria aos angolanos não só levando àquele país os nosso melhores escritores, artistas de teatro, cantores e grupos musicais, como os nossos ídolos do desporto, que lá são tão ou mais incensados do que cá: Cristiano Ronaldo e José Mourinho. Tornaria a visita verdadeiramente inesquecível. Será pedir muito?"