sexta-feira, janeiro 13, 2006

Inquérito ao próprio?

«Telefone do Presidente foi controlado
Jorge Sampaio: escutas telefónicas a altas figuras do Estado "é uma questão grave"»
13.01.2006 - 13h27

«O Presidente da República, Jorge Sampaio, classificou hoje como "uma questão grave" o registo de milhares de chamadas telefónicas feitas por altas figuras do Estado, entre as quais ele próprio.

"A única coisa que se tem de esperar é que o procurador-geral da república [PGR], como já anunciou à comunicação social, faça desencadear o inquérito necessário para que esta questão grave possa ser definitivamente esclarecida", declarou Jorge Sampaio.
O Presidente falava hoje à saída de um encontro com militares no Instituto Superior de Estudos Militares e só acedeu a prestar declarações após muita insistência por parte dos jornalistas.
"A vossa agressividade não faz nenhum sentido", ripostou o Presidente da República depois das sucessivas perguntas dos jornalistas.
O procurador-geral da república, Souto Moura, anunciou hoje a abertura de um "inquérito rigoroso" à situação, depois de um encontro em Belém com Jorge Sampaio, a pedido do chefe de Estado.
Sampaio chamou o procurador a Belém na sequência de uma notícia do "24horas" que dá conta de que o "Ministério Público controlou 80 mil chamadas de todos os titulares dos órgãos de soberania feitas de números privados" durante ano e meio, no âmbito do processo Casa Pia.
Souto Moura admitiu após o encontro com Sampaio que a notícia contém "elementos extremamente graves".
O registo dos números foi fornecido pela Portugal Telecom, que entregou ao MP e ao juiz Rui Teixeira - juiz de instrução do processo Casa Pia - informação específica sobre as chamadas realizadas a partir de telefones particulares.
O jornal refere que não encontrou no processo qualquer documento que validasse juridicamente esse registo das chamadas nem conseguiu obter junto da Portugal Telecom (que fornece os registos) o despacho do juiz de instrução específico sobre estas chamadas, efectuadas a partir de telefones fixos.»

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Eis porque ela seria uma excelente candidata

UMA CANDIDATURA INOVADORA
Helena Roseta


"Até ao próximo dia 20 de Janeiro, o PÚBLICO editará 12 textos de opinião onde os autores assumem o apoio claro a um candidato, inserindo-os nas páginas de cobertura de campanha para a eleição do Presidente da República. O critério foi o de atribuir dois textos a cada candidatura. Estes textos serão seleccionados pelos serviços de candidatura dos seis candidatos: Cavaco Silva, Francisco Louçã, Garcia Pereira, Jerónimo de Sousa, Manuel Alegre e Mário Soares. A sua ordem de publicação é aleatória."

«1.A candidatura de Manuel Alegre é o facto político mais inovador que aconteceu em Portugal nos últimos anos. Pela sua génese, pela maneira como se tem desenvolvido, pelo tipo de apoios que tem recebido, pela expectativa que criou e pelas altas probabilidades de vir a obter um excelente resultado. Manuel Alegre é um homem livre, independente, corajoso e com um percurso de vida notável. Mas é também poeta, qualidade que lhe dá uma especial capacidade para captar os sinais dos tempos e compreender as motivações mais fundas das pessoas. Em tempos difíceis como os que vivemos, essa capacidade de ver mais longe é talvez a mais urgente.
Todo o processo da sua candidatura representa uma pedrada no charco. As pessoas estão fartas de ter de suportar as consequências de decisões que foram tomadas sem as ouvirem. E nenhum dos outros cinco candidatos acrescenta algo de realmente novo ao debate político em Portugal.
2. Cavaco Silva é um homem do passado, que quer fazer em Belém uma "cooperação estratégica" com o Governo, mas que não tem um sentido da história e do futuro. O modelo de desenvolvimento que defendeu e aplicou em Portugal está esgotado. O próprio reconheceu aliás, honra lhe seja feita, em debate com Manuel Alegre, que os seus governos se tinham preocupado mais com a quantidade do que com a qualidade. O simples facto de dissociar quantidade e qualidade mostra que ainda não mudou de paradigma. Não haverá quantidade (ou seja crescimento) se não se apostar ao mesmo tempo na qualidade. No mundo global e competitivo que é o nosso, não haverá uma sem a outra.
Mário Soares também não tem nada de novo a dizer. Passou os debates televisivos a atacar os adversários, por vezes de forma grosseira, o que lhe fica muito mal. Não me lembro de nenhuma eleição em Portugal ser ganha por quem tenha baseado toda a sua estratégia na demolição do adversário. Foi o grande erro de Sá Carneiro contra Eanes, em 1980. Soares também não tem hoje a mesma aceitação e simpatia que já teve. Não se pode beber duas vezes a mesma água do rio, disse Heráclito. A ideia de que Soares "já lá esteve" e não tinha realmente necessidade de voltar é muito generalizada.
Jerónimo, Louçã e Garcia Pereira são candidaturas de protesto, legítimas, evidentemente, mas que não têm Belém como objectivo. Ligadas aos respectivos partidos, não têm qualquer propósito de alargamento e abertura a outros eleitorados. Tomara que tivessem. Com o sistema eleitoral de duas voltas, todos os votos que cada uma delas conseguir na primeira volta podem contribuir para garantir uma segunda volta.
3. Houve muita gente que não acreditou que a candidatura de Alegre fosse capaz sequer de existir, quanto mais de se organizar e bater de igual para igual com candidaturas que têm outras máquinas e outros meios. Na falta de um aparelho logístico, usamos todas as potencialidades da Internet, dos telemóveis e do correio electrónico. Na falta de dinheiro, pedimos um empréstimo, angariamos fundos com obras de arte dadas e enchemos as sedes de voluntários. Fomos os únicos que cumprimos as formalidades legais sem o apoio de nenhum partido. Temos sedes abertas em todo o país, e em muitos distritos mais do que uma. Juntamos gente das mais diversas proveniências, de várias esquerdas, de vários passados e muitos estreantes. Acreditamos no poder dos cidadãos. E o que temos constatado é que as pessoas têm criatividade, vontade de participar e coisas para dizer. No nosso portal e nos nossos blogues, é possível comentar e criticar. Não há aqui hierarquias, disciplinas partidárias ou qualquer outro tipo de tutelas. Tudo isto são traços de novas formas de intervenção política, que nos EUA têm tradição, mas em Portugal são pouco usuais.
4. Mas também nas propostas de Manuel Alegre há inovação. Sucede, aliás, um fenómeno muito estranho: alguns comentadores criticam o vazio de ideias, mas os outros candidatos, de uma forma ou outra, têm vindo a utilizar propostas que Alegre foi o primeiro a apresentar. Cavaco Silva, no debate televisivo com Soares, falou num "Pacto Económico e Social" nos mesmos e precisos termos com que Manuel Alegre o propôs no seu Contrato Presidencial. E Mário Soares apresentou como grande novidade da sua campanha a ideia de "presidências de proximidade", numa colagem óbvia à proposta de Manuel Alegre de desenvolver uma "magistratura de proximidade e exigência". Esqueceu-se foi da exigência.
5. A questão europeia é outro dos mistérios desta campanha. Em todas as suas intervenções, Alegre desenvolve este tema. Foi o único a falar da constituição económica não escrita, formada pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, juntamente com as Grandes Orientações de Política Económica, que condicionam todos os governos e limitam a construção de verdadeiras alternativas. Aqui está um tema essencial. Mas o espaço que lhe tem sido dado em entrevistas e noticiários é mínimo ou inexistente.
6. O que nos leva a colocar outra questão, que é a da forma como os media têm lidado com as candidaturas presidenciais. Ao sair do formato pré-estabelecido (bipolarização entre as candidaturas apoiadas pelos maiores partidos) a candidatura de Manuel Alegre também tem representado um desafio. Para lá de alguma desigualdade de tratamento (evidente nos estudos objectivos sobre o tempo ou o espaço atribuído às diferentes candidaturas), a candidatura de Alegre trouxe à luz do dia o desfasamento que existe entre opinião pública e opinião publicada. No final dos debates televisivos, por várias vezes Alegre foi dado como vencedor por sondagens imediatas. Os comentadores disseram quase sempre o contrário. Quem comenta os comentadores?
7. A velha maneira de fazer política ainda anda por aí. As ameaças de dirigentes do PS contra a liberdade de voto nestas presidenciais foram um dos momentos mais negros da pré-campanha. Mas os votos não têm dono, ao contrário do que ainda pensam os velhos políticos. A eleição presidencial é a única eleição unipessoal. Tem de ser ela própria um acto de liberdade. E uma oportunidade histórica de demonstrarmos desde já o poder dos cidadãos para mudar a política. Pelo que vemos e sentimos no terreno e pela transversalidade desta candidatura, estou convencida de que iremos assistir a resultados surpreendentes. Sejam eles quais forem, ficaremos a dever à coragem de Manuel Alegre o ter sido capaz de acrescentar liberdade à liberdade de todos nós. E isso é já, por si só, uma enorme vitória.

Membro da Comissão Política da candidatura de Manuel Alegre»

terça-feira, janeiro 03, 2006

Se calhar não é assim tão mau um Presidente saber alguma coisita dos dossiers

"Presidente deverá receber ministro da Economia
Sampaio quer conhecer o novo modelo de governação da EDP"

PUBLICO.PT - 03.01.2006 - 09h09
«O Presidente da República, Jorge Sampaio, pediu informações sobre o novo modelo de governação da EDP e pretende obter detalhes sobre a entrada da espanhola Iberdrola, presidida em Portugal pelo deputado do PS e antigo ministro das Finanças, Pina Moura, nos órgãos sociais da eléctrica portuguesa.
Segundo o “Diário Económico”, Jorge Sampaio deverá receber hoje o ministro da Economia, Manuel Pinho, para conhecer detalhes sobre o novo modelo orgânico da EDP. Ontem, foi a vez de os accionistas privados darem a conhecer as suas propostas. António Mexia é apontado pela imprensa para substituir João Talone na presidência da eléctrica.»

E vão mesmo

"Espanhóis poderão integrar conselho superior da eléctrica
Talone diz que entrada da Iberdrola no governo da EDP é inaceitável"

C.F./PÚBLICO - 03.01.2006 - 09h35

«João Talone, presidente executivo da EDP - Energias de Portugal, atacou ontem a possível entrada da espanhola Iberdrola nos órgãos sociais da eléctrica portuguesa, por estar em causa a possibilidade de um concorrente poder ter acesso às orientações estratégicas definidas pelos accionistas para a eléctrica nacional.

A Iberdrola é representada em Portugal pelo deputado socialista Joaquim Pina Moura, o ex-ministro da Economia do PS, que negociou a entrada da operadora espanhola na EDP (onde tem 5,7 por cento).
Em comunicado emitido ontem ao final da tarde, e falando em seu nome pessoal, Talone considera "totalmente inaceitável" que "um dos mais importantes concorrentes da EDP" possa "integrar o futuro governo" da empresa, "tendo acesso e participando na decisão da sua estratégia futura", situação que em "Espanha seria ilegal".
Manuel Pinho, ministro da Economia de José Sócrates, já admitiu a possibilidade da Iberdrola poder integrar o conselho superior da EDP, onde estão todos os accionistas com posições qualificadas (superiores a dois por cento) e que aprovam as orientações estratégicas da empresa portuguesa. De acordo com Pinho a eléctrica espanhola não terá acesso ao conselho de administração, onde estão os gestores profissionais com funções executivas. Este foi o modelo proposto ao Governo (que o aceitou) pelos accionistas privados (BCP, Mello, Stanley Ho, Iberdrola, Cajaastur, CGD).
Talone lembra que "não houve qualquer posição inequívoca pública dos accionistas qualificados contrariando" a solução avançada pelo Governo de admitir a presença da eléctrica espanhola na estruturas de gestão da EDP.
Gestor está de saída
O gestor afirma que terminou a 31 de Dezembro o "período formal" do seu mandato, explicando que não é sua "intenção fazer novo mandato". E manifesta-se disponível para a partir de agora ter uma intervenção mais pró-activa, interna e publicamente, "comentando" iniciativas que possam "afectar a empresa", a sua "independência" e o interesse dos seus accionistas. Isto, porque "embora tenha havido muita especulação recentemente sobre este tema, até hoje nenhum accionista qualificado (público ou privado) tomou a iniciativa de falar" com o gestor sobre se continuaria ou não à frente da empresa.
Para além da Iberdrola, são accionistas da EDP o Estado e a CGD, com uma posição conjunta de 25 por cento, o BCP, com seis por cento, e a espanhola Cajastur, com 5,53 por cento. O empresário macaense Stanley Ho, que detém 2,5 por cento da EDP, já confessou o desejo de elevar a sua participação para cinco por cento. Por sua vez, Vasco de Mello, da Brisa, que controla dois por cento da operadora, afirmou que estava disposto a sair da eléctrica.»

Lá se vão as pilhas

"Espanhóis poderão integrar conselho superior da eléctrica
Talone diz que entrada da Iberdrola no governo da EDP é inaceitável"

C.F./PÚBLICO - 03.01.2006 - 09h35


"FOI UMA intriga palaciana, urdida nos corredores de São Bento, Horta Seca e rua Augusta, envolvendo José Sócrates, Manuel Pinho, Pina Moura e Paulo Teixeira Pinto. As primeiras cabeças a rolar são as de João Talone e Francisco Sánchez, que deixam a liderança da EDP.

António Mexia, ministro de Santana Lopes e amigo de Manuel Pinho, é o mais provável sucessor de Talone como CEO da EDP.
Os espanhóis da Iberdola vão finalmente ter o que queriam - um lugar nos órgãos sociais da eléctrica portuguesa.

Talone teme que o acordo com Iberdrola tenha como consequência o desaparecimento da EDP, ou a sua transformação numa segunda marca do gigante espanhol. E considera um caso de espionagem industrial, a entrada na gestão da EDP desta sua concorrente no mercado ibérico. «Quando um acto de espionagem industrial é legalizado pelos accionistas, só resta a quem está na gestão aceitar ficar, ou ser sério e sair», diz um porta voz da administração.

Há um mês, o ministro da Economia afirmava ao EXPRESSO que o seu papel era garantir a estabilidade da gestão da EDP. Agora, optou pela instabilidade e decidiu substituir Talone. O articulador desta vontade tem sido Teixeira Pinto, que, como presidente do BCP e accionista estratégico da EDP, promoveu reuniões individuais e conjuntas com outros accionistas relevantes da empresa.

O objectivo destes encontros - a que compareceram representantes da CGD, Brisa, Stanley-Ho, Cajastur e Iberdrola - era alcançar o consenso para a alteração do modelo de governo da eléctrica, adaptando-a ao modelo em vigor no BCP, com um Conselho Superior e uma Comissão Executiva. O Conselho Superior, sem funções de gestão diária, serviria de veículo para a entrada da Iberdrola na administração.

O problema fundamental levantado pelo acordo com os espanhóis será o futuro da Hidrocantábrico, empresa espanhola que a EDP comprou para se tornar o terceiro maior operador ibérico. Talone considera que a entrada da Iberdrola na gestão pode condicionar não só o desenvolvimento da EDP como criar graves problemas em Espanha para a HC Energias.

Um dos accionistas desagradados com esta atitude do Governo/BCP é a Cajastur, que considera que a EDP está a ser entregue à Iberdrola, sem que esta pague um prémio pelo controlo da empresa.

Talone acha que os pequenos accionistas - que chegaram a ser cerca de 800 mil - estão a ser traídos neste processo e deveriam ter uma palavra a dizer sobre esta situação.»

«Só uma gestão desesperada pode aceitar ficar em funções se não conhece as intenções dos accionistas de referência, se é pelos mesmos desautorizada ou se são condicionados de algum modo os seus planos de desenvolvimento estratégico, aprovados em assembleia geral, órgão representativo de todos os accionistas», conclui o porta voz da EDP."

E nós que enviámos o Cherne...ai...

"A Europa, a Ucrânia e Vladimir Putin"
Teresa de Sousa


Público - 03/01/2006

«A União Europeia arrisca-se a começar o ano de 2006 com o despertar doloroso para uma nova e complexa realidade: a crescente dependência energética de uma potência cada vez menos fiável que ameaça cada vez mais a estabilidade da sua fronteira leste

1.A chantagem de Vladimir Putin sobre a Ucrânia acaba de revelar a face mais brutal da forma como Moscovo pode utilizar a arma energética para prosseguir os seus objectivos estratégicos. E nem vale a pena dizer, como chegaram a balbuciar alguns responsáveis europeus, que se trata de uma questão de natureza meramente económica. Foi o próprio Kremlin que, sem qualquer pudor, lembrou o que estava em causa. O novo regime de Kiev quer ser "ocidental", ou seja, aspira a integrar a NATO e a UE? Então habitue-se a pagar a energia ao preço do mercado "ocidental". No Inverno do ano passado, com a sua "revolução laranja", a Ucrânia iniciou o caminho de saída da zona de influência de Moscovo. No Inverno deste ano, passa frio. O circunspecto e insuspeito Monde não hesitava ontem em escrever em editorial que "a primeira guerra do século XXI foi declarada". "Um país acaba de cortar o abastecimento de energia a outro porque este último não se submete às suas exigências. A Rússia, primeiro produtor mundial de gás, acaba de carregar no botão da arma energética."
Berlim, que importa da Rússia, via Ucrânia, 40 por cento do gás natural de que necessita, avisou (timidamente) Moscovo de que a sua decisão unilateral pode vir a afectar as relações económicas com o Ocidente. A presidência austríaca da UE já disse que talvez valha a pena colocar a questão da dependência energética da Europa na sua agenda. A Comissão já convocou para Bruxelas uma reunião de peritos. O alto representante da UE para a política externa, Javier Solana, já se ofereceu como mediador.
Ironicamente, a Rússia acaba de assumir pela primeira vez a presidência do G8, elegendo a segurança energética como o tema político dominante do seu mandato. A forma como tratou a Ucrânia não ajuda nada a dissipar algumas dúvidas sobre a sua legitimidade para exercer tais funções. Mas provavelmente nada disto vai dissuadir Moscovo de prosseguir a sua política de chantagem económica sobre a Ucrânia, precisamente quando as eleições legislativas em Kiev, previstas para o próximo mês de Abril, lhe abrem a oportunidade de tentar reverter a situação a seu favor. Não foi por acaso que Putin classificou o fim da União Soviética como a maior "catástrofe geopolítica" do século XX, durante as celebrações do fim da Segunda Guerra Mundial que decorreram no passado dia 9 de Maio em Moscovo. Por mais que os europeus não queiram ouvir, é esta a realidade com que têm de lidar.
2. A Ucrânia é o elo mais fraco da cadeia de dependência energética da Europa em relação à Rússia. Mas há alguns factos que vale a pena recordar. A Gazprom, a megaempresa estatal russa que cortou o abastecimento à Ucrânia, controla 20 por cento da produção mundial de gás natural, 60 por cento das reservas russas e 16 por cento das reservas mundiais. Se fosse um país, as suas reservas de petróleo e gás combinadas colocá-la-iam apenas atrás da Arábia Saudita e do Irão.
Um quarto do gás natural consumido pela União Europeia vem da Rússia, através de gasodutos que atravessam a Ucrânia. A Rússia é hoje o segundo maior exportador de petróleo do mundo e o primeiro de gás natural. Alguns analistas têm vindo a alertar para "uma relação ao estilo saudita" entre a Rússia e os países ocidentais, numa altura em que a sede de energia das grandes potências económicas emergentes, como a China ou da Índia, volta a colocar a questão do abastecimento energético no centro da geopolítica mundial.
Como é que a União e os seus Estados-membros vão reagir, no curto e no longo prazo, a esta crise? Provavelmente como nos últimos anos, em ordem dispersa e sem uma visão estratégica.
3. Desde que Vladimir Putin chegou ao poder no Kremlin, as relações com Moscovo têm dividido profundamente os países europeus. Para a Polónia, para as repúblicas bálticas e, em geral, para os novos Estados-membros da Europa de Leste, a Rússia continua a ser olhada, por razões mais do que óbvias, com profunda desconfiança. Pelo contrário, a França tende a ver em Moscovo um grande aliado político no seu afã de "contrabalançar" o poder dos Estados Unidos. E nada parece impedi-la de seguir a sua política de "mão sempre estendida", nem a Tchetchénia, nem os direitos humanos nem as liberdades cívicas que Putin se entretém a violar e a limitar sem qualquer preocupação.
O caso alemão é um pouco diferente. A Alemanha olha hoje para a Rússia como um parceiro económico de primeira importância e um insubstituível fornecedor de energia. Em Setembro passado, Gerhard Schroeder assinou com o seu amigo Vladimir Putin um contrato milionário (4 mil milhões de euros) para a construção de um novo pipeline ligando directamente a Rússia à Alemanha através do mar Báltico. Perante os protestos da Polónia e das repúblicas bálticas, o anterior chanceler alemão respondeu que se tratava do interesse vital do seu país em matéria de segurança energética. Angela Markel não põe em causa esta decisão, mas falta saber em que medida a nova chanceler, que prometeu não se relacionar com Moscovo "por cima da cabeça da Polónia", vai reagir à presente crise.
O Reino Unido tem hesitado entre uma visão optimista em relação ao futuro da Rússia e uma reacção mais pessimista e prudente face à deriva autoritária de Moscovo.
Mas quando, no Inverno passado, rebentou a crise ucraniana, não fosse Varsóvia ter saltado para a primeira linha da diplomacia europeia (e os EUA terem dado um pequeno empurrão fundamental), a União teria preferido olhar para o lado. Acabou por fazer o que estava certo, mesmo que sempre receosa de perturbar as boas relações com Moscovo e de ser ver confrontada com mais um país de grandes dimensões e enormes problemas a bater-lhe à porta. Esta crise ajudará certamente a Europa a olhar com mais atenção para as suas relações com Moscovo. A presença de Angela Merkel na chancelaria de Berlim poderá também significar uma abordagem diferente por parte da Alemanha. Mas uma coisa parece ser certa.
Depois de ter passado o ano de 2005 a tentar lidar com a emergência da China na cena internacional (sem grandes resultados, diga-se de passagem), a União Europeia arrisca-se a começar o ano de 2006 com o despertar doloroso para uma nova e complexa realidade: a crescente dependência energética de uma potência cada vez menos fiável que ameaça cada vez mais a estabilidade da sua fronteira leste.Talvez isso a faça acordar para as suas responsabilidades mundiais.»

Nortada

"Paulo Pereira Coelho afastado
Câmara da Figueira da Foz reúne em clima de tensão"
PÚBLICO 03.01.2006 - 10h12

«A Câmara da Figueira da Foz reúne-se hoje pela primeira vez depois de Paulo Pereira Coelho ter sido afastado da vice-presidência e de todos os pelouros que detinha.

A oposição socialista promete trazer a questão para a ordem do dia, para assinalar o que classifica como "estado de desagregação da maioria social-democrata", enquanto Paulo Pereira Coelho diz aguardar "que o presidente justifique a decisão", para fazer depois uma declaração sobre "a situação política" na autarquia.
"Acho que a iniciativa está do lado do presidente. Houve uma decisão, aguardo que, na reunião de câmara, ela seja formalmente justificada, e em função disso falarei", afirmou ao PÚBLICO, sem querer antecipar o conteúdo dessa declaração que, segundo o próprio, "será, em grande parte, condicionada pelo teor das afirmações" do presidente da autarquia. Já o socialista Vítor Sarmento adianta que os vereadores do PS irão apresentar uma declaração para destacar "a grande desorientação e falta de unidade" no executivo municipal social-democrata. "Um episódio deste tipo, dois meses depois das eleições, revela que a equipa não foi bem constituída e revela, sobretudo, que a crise financeira e económica da autarquia é de tal forma grave que suscitou divergências muito profundas".»

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Simples

"Não podemos tirar comida a quem tem fome para a pôr nos nossos supermercados
O documentário O Pesadelo de Darwin é uma denúncia da globalização a partir da história de um peixe cujos filetes vêm para a Europa, enquanto as carcaças podres são disputadas pelos miseráveis que o pescam em África."
Alexandra Prado Coelho
Público - 30/12/2005
«Nos anos 60, a perca do Nilo, um predador voraz, foi introduzida no lago Vitória, na Tanzânia, como experiência científica. Quase todos os outros peixes existentes do lago foram dizimados. Hoje, a população vive na dependência de um único recurso: a venda da carne branca da perca para a Europa. Uma minoria enriqueceu. A maioria está a morrer aos poucos.
O Pesadelo de Darwin mostra a miséria dos pescadores que sonharam ganhar uns dólares e deixaram terras e famílias, das prostitutas condenadas a morrer de sida, das crianças abandonadas e esfomeadas a lutar por uma cabeça de peixe já podre (tirados os filetes, os milhões de carcaças são aproveitadas pelos tanzanianos, que as secam ao sol num cenário de verdadeiro pesadelo).
No meio de tudo isto, há os aviões, guiados por pilotos russos, que não param de chegar: para a Europa levam o peixe, para África as armas. Para o realizador austríaco Hubert Sauper, o ciclo fecha-se e é muito claro: "Não teríamos percas do Nilo no nosso supermercado se não houvesse guerra em África."
O filme - Melhor Documentário nos Prémios Europeus do Cinema 2004 - estreou-se ontem em Portugal (ver texto no suplemento Y).
PÚBLICO - O filme mostra uma realidade terrível. Mas a perca do Nilo não é também uma fonte de riqueza para as pessoas da região?
HUBERT SAUPER - É, mas a questão é para que pessoas? O que vemos no filme são também "as pessoas", o dono indiano da fábrica faz parte das "pessoas" e está a ganhar muito dinheiro. Se não houvesse o peixe não seria tão rico. Muitos ministros na Tanzânia ganham dinheiro, muitos agentes na Holanda, muitas companhias aéreas ganham muito dinheiro. Muita gente ganha muito dinheiro. Mas a maioria das pessoas do lago Vitória não só não estão a ganhar dinheiro como estão a morrer por causa disto.
Diz que todos os países que têm um importante recurso, seja a perca do Nilo no lago Vitória, os diamantes ou o petróleo, sofrem de certa forma uma maldição.
Seria melhor não o terem?
Na maior parte das vezes é uma maldição. Uma das razões pelas quais, por exemplo, o Mali é um país pacífico é porque até agora não encontrou petróleo ou ouro. E por que é que a Nigéria está a arder? Porque há muito petróleo. É uma maldição, mas também uma bênção para muita gente que vem da Nigéria e agora tem uma grande casa no Sul da França.
Mas quando se fala de recursos naturais, como comida, algo que se pode consumir no local, então é um crime ainda mais óbvio levá-lo para fora do país. Não se pode tirar comida de um país onde as pessoas não têm suficiente para a pôr num supermercado em Lisboa. Há uma palavra para isto: neocolonialismo, com uma lógica de mercado.
Acontece sempre a mesma história, quando um país encontra um recurso natural apetecível?
Na maior parte das vezes, sim. Há algumas pessoas que cultivam café e que beneficiam do comércio justo, mas 99 por cento não só já não têm comida, porque qualquer pedaço de terra verde é usado para cultivar café, como já não conseguem vender o café porque é a Nestlé que dita os preços. Por isso as pessoas morrem de fome em zonas onde tudo é verde. E nós, os europeus, chegamos lá e perguntamos "como é que as pessoas morrem de fome num sítio onde tudo cresce?". Sim, mas em todos os espaços onde as coisas crescem está uma estúpida planta de café, ou tabaco, ou de outra coisa para a Europa.
Mas como é que a população pobre do lago Vitória encara a perca do Nilo?
Os pescadores, por exemplo, vêm de sítios muito distantes do lago, eram camponeses e deixaram os seus campos porque queriam ganhar dólares. Acham que a perca do Nilo é uma coisa boa porque agora ganham dólares. Mas não sabem que 90 por cento de entre eles estão infectados com HIV, esqueceram-se que deixaram para trás oito crianças, e que o campo que tinham antes já não é cultivado, e que a Unicef tem que alimentar os filhos deles porque eles foram ganhar dólares. Os donos das fábricas não sabem como vivem os pescadores. Há um total desfasamento de conhecimentos. E uma absoluta relação de todos os seres humanos com os dólares. Esta globalização faz com que estejamos todos ligados mas não saibamos nada uns dos outros.
Foi descobrindo essas relações à medida que ia filmando ou já tinha o quadro completo no início?
No filme convido o espectador a esta descoberta. Pergunto às pessoas o que trazem os aviões, não é que eu não saiba, é a minha técnica de trabalho. Mas durante a filmagem houve uma série de pormenores que foram surgindo.
Toda a gente parece ter grandes reservas em falar do tráfico de armas. Era também assim quando desligava a câmara?
A forma como filmo tem muito a ver com o estar com as pessoas. Não há diferença entre falar com alguém com ou sem câmara - nem para mim nem para eles. Não fui ter com as pessoas nem lhes disse "ok, não estou a filmar, diga-me a verdade". Eu sabia a verdade. Sabia o que estavam a fazer. Queria convidar os espectadores nesta viagem de descoberta. Era uma viagem que eu já tinha feito há muito tempo. Há um momento de reconhecimento, em que nos apercebemos de uma coisa. Aconteceu-me há muitos anos quando fiz um filme no Congo sobre refugiados, e conheci pilotos que me contaram o que faziam [o transporte de armas].
Considera-se um cineasta político?
Sou um realizador interessado na história contemporânea. Interesso-me pelas pessoas e isso torna-se político, porque a política tem a ver com as pessoas. Mas não sou um activista. Não quero investigar. Não é o meu trabalho descobrir que há aviões cheios de armas a ir para África. Não é o meu trabalho dizer-lhe que as crianças são pobres em África, que morrem de fome, que há guerra, prostituição - isso já você sabe. Só posso traduzir o que você já sabe numa obra de arte que a faça talvez entender alguma coisa.»